30/03/2009

Revolução científica, Hamlet e Modernidade

Olá queridas e queridos,

sobre a unidade 2 desse módulo, entitulada "Revolução Científica", gostaria de usar um textos de Shakspeare para refletir sobre uma frase que aparece em 2.5.1 "Gurus do método científico".

"As diferentes buscas por respostas fizeram-se acompanhar de variações na forma, no método de se refletir sobre a realidade, de se produzirem conhecimentos".

Estamos conversando sobre as motivações do homem em buscar explicações sobre o mundo em que vive. Penso que a sociedade se articula em rede o tempo todo. Vivemos em relações (com nós mesmos, com os outros, com a natureza, com o mundo, com a ideologia, etc.). Assim, a cultura é uma forma de expressão dessas relações ou articulações. Simplificando bastante, uma das coisas que difere o homem dos animais irracionais, é sua capacidade de transferir conhecimento, ou seja, é a cultura. Quer dizer, a gente acaba partindo do ponto que outros pararam, porque de alguma forma esse ponto foi comunicado pra gente. Então, temos aqui que a cultura é uma rede que é transmitida pela comunicação. Seja ela de que tipo for (oral, escrita, midiática, via códigos etc.).

Mas nem sempre estamos acostumados a ter esse pensamento nos campos chamados da ciência. O positivismo (que influenciou bastante o chamado pensamento científico) propunha que poderíamos isolar um objeto para estudá-lo. A descoberta do átomo de Ruterford, que provou que o átomo não era uma partícula, mas um sistema de prótons, eletrons e neutrons; trouxe uma nova perspectiva à ciência. Ou seja, se até a partícula menor não é indivisível como se acreditava, então, não somos capazes de isolar um objeto, ou seja, tudo é sistemico e existe em relação e nosso olhar sobre as coisas deve levar essas relações em consideração.

Desde as tribos bem antigas o homem vive em rede e se organiza de alguma forma. Fico pensando que no momento em que as mulheres ficam na “aldeia” cuidando da família e da agricultura e que os homens vão para a caça, temos pelo menos duas sub-redes aqui. E a tecnologia ou técnica surge desde essas organizações. Aquelas primeiras ferramentas que o homem fazia com as pedras, o tal do machadinho, eram tecnologia. Ou seja, a tecnologia permeia toda a cultura humana, toda sua existência. E é a partir da tecnologia que o homem rompe com o ciclo da natureza e passa a viver seu próprio tempo, que cada vez mais independe do tempo da natureza. A tecnologia é, portanto, inerente à cultura humana. No livro O presente do fazedor de machados os autores discutem de maneira muito interessante essa questão de como a tecnologia sempre acompanhou o homem e a humanidade.

Assim como a tecnologia, a necessidade de entender o mundo e suas relações também são características da cultura humana. Quando, por meio da técnica, o homem deixa de estar submetido ao tempo da natureza, ele passa a tentar dominá-la. Podemos dizer, então, que a primeira revolução tecnológica acontece lá na época do homem das cavernas... Assim, pensando na pergunta inicial deixada por nossa querida tutora: "Como você vê a relação que se estabelece entre ciência e tecnologia, com seus produtos e processos?. Vejo que ciência e tecnologia estão diretamente ligadas, e mais do que isso, cultura, tecnologia e conhecimento estão diretamente ligados, sendo que um modifica e é modificado pelo outro. Sendo a ciência um campo do conhecimento (assim como a filosofia, o emprirismo, a teologia etc.), ela é também modificada e modifica a cultura, a tecnologia e o conhecimento.

Nesse contexto, se pensarmos na ciência, na tecnoloigia, nos seus produtos e processos hoje, estamos pensando necessariamente na modernidade e na pósmodernidade (como alguns chamam), na globalização econômica e na mundialização da cultura.

Acho que uma das passagens marcantes da civilização ocidental foi exatamente a passagem para a Modernidade, que se caracteriza de maneira simplória pela indagação do homem sobre seu papel no mundo. Pelo questionamento que o homem faz de sobre sua própria existência. Pelo antropocentrismo, as chamadas revoluções científica e comercial, a descoberta do mundo e de outras culturas etc., o que traz novas perspectivas ao ser humano. Deus não está mais no centro do Universo. É nesse panorama que se desenvolve a chamada filosofia humanista ou renascentista. "O humanismo se expande a partir de 1460, com a fundação de academias, bibliotecas e teatros em Roma, Florença, Nápoles, Paris e Londres. A escultura e a pintura redescobrem o corpo humano. A arquitetura retoma linhas clássicas e os palácios substituem os castelos. Expandem-se a prosa e a poesia literárias, a dramaturgia, a filosofia e a literatura políticas". (RENASCIMENTO)

A episteme - sentimento de uma época - da modernidade é o fato de o homem ser maior do que Deus e ser dono de sua existência. Assim, como nas ciências, o modelo positivista de interpretação do mundo prevalece. A racionalidade passa a ser o centro do pensamento. Penso logo existo! Descartes exprime esse sentimento nessa frase. A existência do homem passa a estar atrelada à sua racionalidade.

O sociólogo Otávio Ianni, numa palestra num congresso estudantil, colocou que Shakspeare era, por excelência, o homem da modernidade. Questão que me chamou a atenção, mas a qual eu não pude entender na época. No Módulo 1 dessa disciplina, temos no material a cena do filme HAMLET, baseado na obra Hamlet de Shakspeare e que se inicia com a famosa frase: “Ser ou não ser – eis a questão” etc. Esse trecho me fez pensar muito nas questões que estamos tratando. Durante a faculdade, fiz uma análise dessa peça e de sua relação com a modernidade e gostaria de compartilhar algumas coisas com vocês, porque penso que se relacionam bastante com essas questões que estamos tratando e refletindo.

Hamlet durante toda a ação dramática hesita em matar o seu tio Cláudio, assassino de seu pai que casou com sua mãe logo após o enterro. O tempo psicológico de Hamlet é marcado pela crise entre agir e pensar. A peça toda é marcada pelos monólogos do príncipe, em que questiona a veracidade e a realidade das coisas do mundo.

A análise do trecho abaixo, retirado da peça e que se encontra no meio da ação dramática, representando o momento em que Hamlet começa a romper com sua “medievalidade” e passa a agir cada vez mais guiado pela razão; Esse é o monólogi mais conhecido da obra e, muitos, mesmo que nunca tenham lido nada do autor, já ouviram a indagação.


“Ser ou não ser, eis a questão.
Será mais nobre em espírito viver
Sofrendo os golpes e as frechadas da afrontosa sorte
Ou armas tomar contra um mar de penas.
Dar-lhes um fim: morrer, dormir...
Só isso e, por tal sono, dizer que acabaram
Penas do coração e os milhões de choques naturais
Herdados com a carne? Será final
A desejar ardentemente... Morrer, dormir;
Dormir, sonhar talvez... Mas há um contra,
Pois nesse mortal sonho outros podem vir,
Libertos já do mortal abraço da vida...
Deve ser um intervalo... É o respeito
Que de tal longa vida faz calamidade
Pois quem pode suportar do tempo azorrague e chufas,
Os erros do tirano, ultrajes do orgulho,
As angústias de amor desprezado, a lei tardia,
A insolência das repartições e o coice destinado
Pelos inúteis aos meritórios pacientes?
Para quê se pode aquietar-se, acomodar-se,
Com um simples punhal? Quem suportará,
Suando e resmungando,vida de fadigas
Senão quem teme o horror de qualquer coisa após a morte,
País desconhecido, a descobrir, cujas fronteiras
Não há quem volte a atravessar e nos intriga
E nos faz continuar a suportar os nossos males
Em vez de fugir para outros que desconhecemos?...
Assim a todos nos faz covardes nossa consciência,
Assim o grito natural do ânimo mais resoluto
Se afoga na pálida sombra do pensar
E as empresas de mor peso e alto fim,
Tal vendo mudam o seu rumor errando
E nada conseguindo! Sossega agora...
Mas, devagar, agora!
A bela Ofélia!
(Para Ofélia) Ninfa, em tuas orações
Sejam sempre lembrados meus pecados”.
(SHAKSPEARE)

Ser ou não ser? Essa é a questão existencial de Hamlet. Ele questiona sua própria existência e a forma como a qual ela se dá. A questão para Hamlet é exatamente sobre sofrer na alma pedradas e flechas do destino feroz, em que o homem é comandado por esse destino; ou pegar em armas contra o mar de angústias combatendo-o, dando-lhe fim: tornar-se seu próprio centro e comnadar suas atitudes e consequencias. Ficar à mercê do destino ou tomar a vida em suas próprias mãos e agir? “E assim, a reflexão faz de todos nós covardes/ E assim o matriz natural da decisão/ Se transforma no doentio pálido do pensamento./ E empreitadas de vigor e coragem,/ Refletidas demais, saem de seu caminho,/ Perdem o nome de ação”. Refletir demais o leva a não agir; Hamlet vive uma crise entre sua racionalidade – que o faz não agir – e seus instintos e ações que, até então, eram tidas como as mais corretas no contexto cultural em que estava inserido (como matar o traidor).

No final desse diálogo, Hamlet vê Ofélia rezando. Aqui temos o caráter religioso, que marca a era anetrior ao pensamento moderno, antropocentrista por excelência; época essa em que Deus era o centro do Universo. Hamlet é escrita num momento em que a história humana ocidental efetuava essa passagem, que durou mais de um século. Quando ve Ofélia, Hamlet diz: “Mas, devagar, agora!/ A bela Ofélia!/ (Para Ofélia) Ninfa, em tuas orações/ Sejam sempre lembrados meus pecados”. Essas falas antecedem o momento em que Hamlet rompe com Ofélia e descobre que ela fora joguete nas mãos de seu pai e de seu tio Cláudio. Esse rompimento é essencial para que o princípe prossiga com seus planos, a partir de então marcados pela ação. Pode-se entender isso como o rompimento com o pensamento teocêntrico, quando Hamlet passa a agir de acordo com sua consciência e não mais sob influência do destino. Matar ou não Cláudio, não é a questão, mas sim o porquê de matá-lo. O espectro do rei, pai de Hamlet, é outro elemento teocêntrico na peça, com o qual Hamlet também rompe. Hamlet não acredita no que o fantasma lhe conta e precisa armar a cena do teatro para que comprove, através da reação do tio, que o pai fora envenenado. É a razão que lhe dá certeza. Agora que a verdade foi descoberta, poderia agir sem receio, mas ainda não o faz.

A suposta loucura de Hamlet também deve ser analisada. Quando começa a tomar consciência das coisas ele é tido como louco e utiliza-se dessa “loucura” para colocar seus planos em andamento. Está presente aqui o conflito entre consciente e inconsciente e entre razão (conhecimento científico) e a loucura, O renascimento é um momento de ampliação dos conhecimentos científicos. Para o homem medieval esses conhecimentos geram conflitos, pois questionam sua forma de ver o mundo. Indaga suas verdades, o que pode o levar à loucura ou ao questionamento. E é exatamente esse questionamento que marca as ações de Hamlet durante toda a peça, ele pode ser visto como esse homem de transição entre a cultura medieval e o homem moderno, suas indagações são as mesmas que transformam o homem moderno.

Fica a pergunta: em tempos de tecnologias da comunicação e informação, como fica o homem moderno?

BIBLIOGRAFIA:

- BURKE, James e ORNSTEN, Robert. O Presente do Fazedor de Machados. 1º edição, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999. ISBN 85-286-0668-4.

- RENASCIMENTO Cultural. Disponível em: http://br.geocities.com/fusaobr/renascimento.html. Acesso em: 30/03/2009

- SHAKESPEARE, Willian. Hamlet. Tradução de José Blanc de Portugal, Editorial Presença, 3ª. ed., 1997.

Nenhum comentário: