Olá queridas e queridos,
sobre a unidade 2 desse módulo, entitulada "Revolução Científica", gostaria de usar um textos de Shakspeare para refletir sobre uma frase que aparece em 2.5.1 "Gurus do método científico".
"As diferentes buscas por respostas fizeram-se acompanhar de variações na forma, no método de se refletir sobre a realidade, de se produzirem conhecimentos".
Estamos conversando sobre as motivações do homem em buscar explicações sobre o mundo em que vive. Penso que a sociedade se articula em rede o tempo todo. Vivemos em relações (com nós mesmos, com os outros, com a natureza, com o mundo, com a ideologia, etc.). Assim, a cultura é uma forma de expressão dessas relações ou articulações. Simplificando bastante, uma das coisas que difere o homem dos animais irracionais, é sua capacidade de transferir conhecimento, ou seja, é a cultura. Quer dizer, a gente acaba partindo do ponto que outros pararam, porque de alguma forma esse ponto foi comunicado pra gente. Então, temos aqui que a cultura é uma rede que é transmitida pela comunicação. Seja ela de que tipo for (oral, escrita, midiática, via códigos etc.).
Mas nem sempre estamos acostumados a ter esse pensamento nos campos chamados da ciência. O positivismo (que influenciou bastante o chamado pensamento científico) propunha que poderíamos isolar um objeto para estudá-lo. A descoberta do átomo de Ruterford, que provou que o átomo não era uma partícula, mas um sistema de prótons, eletrons e neutrons; trouxe uma nova perspectiva à ciência. Ou seja, se até a partícula menor não é indivisível como se acreditava, então, não somos capazes de isolar um objeto, ou seja, tudo é sistemico e existe em relação e nosso olhar sobre as coisas deve levar essas relações em consideração.
Desde as tribos bem antigas o homem vive em rede e se organiza de alguma forma. Fico pensando que no momento em que as mulheres ficam na “aldeia” cuidando da família e da agricultura e que os homens vão para a caça, temos pelo menos duas sub-redes aqui. E a tecnologia ou técnica surge desde essas organizações. Aquelas primeiras ferramentas que o homem fazia com as pedras, o tal do machadinho, eram tecnologia. Ou seja, a tecnologia permeia toda a cultura humana, toda sua existência. E é a partir da tecnologia que o homem rompe com o ciclo da natureza e passa a viver seu próprio tempo, que cada vez mais independe do tempo da natureza. A tecnologia é, portanto, inerente à cultura humana. No livro O presente do fazedor de machados os autores discutem de maneira muito interessante essa questão de como a tecnologia sempre acompanhou o homem e a humanidade.
Assim como a tecnologia, a necessidade de entender o mundo e suas relações também são características da cultura humana. Quando, por meio da técnica, o homem deixa de estar submetido ao tempo da natureza, ele passa a tentar dominá-la. Podemos dizer, então, que a primeira revolução tecnológica acontece lá na época do homem das cavernas... Assim, pensando na pergunta inicial deixada por nossa querida tutora: "Como você vê a relação que se estabelece entre ciência e tecnologia, com seus produtos e processos?. Vejo que ciência e tecnologia estão diretamente ligadas, e mais do que isso, cultura, tecnologia e conhecimento estão diretamente ligados, sendo que um modifica e é modificado pelo outro. Sendo a ciência um campo do conhecimento (assim como a filosofia, o emprirismo, a teologia etc.), ela é também modificada e modifica a cultura, a tecnologia e o conhecimento.
Nesse contexto, se pensarmos na ciência, na tecnoloigia, nos seus produtos e processos hoje, estamos pensando necessariamente na modernidade e na pósmodernidade (como alguns chamam), na globalização econômica e na mundialização da cultura.
Acho que uma das passagens marcantes da civilização ocidental foi exatamente a passagem para a Modernidade, que se caracteriza de maneira simplória pela indagação do homem sobre seu papel no mundo. Pelo questionamento que o homem faz de sobre sua própria existência. Pelo antropocentrismo, as chamadas revoluções científica e comercial, a descoberta do mundo e de outras culturas etc., o que traz novas perspectivas ao ser humano. Deus não está mais no centro do Universo. É nesse panorama que se desenvolve a chamada filosofia humanista ou renascentista. "O humanismo se expande a partir de 1460, com a fundação de academias, bibliotecas e teatros em Roma, Florença, Nápoles, Paris e Londres. A escultura e a pintura redescobrem o corpo humano. A arquitetura retoma linhas clássicas e os palácios substituem os castelos. Expandem-se a prosa e a poesia literárias, a dramaturgia, a filosofia e a literatura políticas". (RENASCIMENTO)
A episteme - sentimento de uma época - da modernidade é o fato de o homem ser maior do que Deus e ser dono de sua existência. Assim, como nas ciências, o modelo positivista de interpretação do mundo prevalece. A racionalidade passa a ser o centro do pensamento. Penso logo existo! Descartes exprime esse sentimento nessa frase. A existência do homem passa a estar atrelada à sua racionalidade.
O sociólogo Otávio Ianni, numa palestra num congresso estudantil, colocou que Shakspeare era, por excelência, o homem da modernidade. Questão que me chamou a atenção, mas a qual eu não pude entender na época. No Módulo 1 dessa disciplina, temos no material a cena do filme HAMLET, baseado na obra Hamlet de Shakspeare e que se inicia com a famosa frase: “Ser ou não ser – eis a questão” etc. Esse trecho me fez pensar muito nas questões que estamos tratando. Durante a faculdade, fiz uma análise dessa peça e de sua relação com a modernidade e gostaria de compartilhar algumas coisas com vocês, porque penso que se relacionam bastante com essas questões que estamos tratando e refletindo.
Hamlet durante toda a ação dramática hesita em matar o seu tio Cláudio, assassino de seu pai que casou com sua mãe logo após o enterro. O tempo psicológico de Hamlet é marcado pela crise entre agir e pensar. A peça toda é marcada pelos monólogos do príncipe, em que questiona a veracidade e a realidade das coisas do mundo.
A análise do trecho abaixo, retirado da peça e que se encontra no meio da ação dramática, representando o momento em que Hamlet começa a romper com sua “medievalidade” e passa a agir cada vez mais guiado pela razão; Esse é o monólogi mais conhecido da obra e, muitos, mesmo que nunca tenham lido nada do autor, já ouviram a indagação.
“Ser ou não ser, eis a questão.
Será mais nobre em espírito viver
Sofrendo os golpes e as frechadas da afrontosa sorte
Ou armas tomar contra um mar de penas.
Dar-lhes um fim: morrer, dormir...
Só isso e, por tal sono, dizer que acabaram
Penas do coração e os milhões de choques naturais
Herdados com a carne? Será final
A desejar ardentemente... Morrer, dormir;
Dormir, sonhar talvez... Mas há um contra,
Pois nesse mortal sonho outros podem vir,
Libertos já do mortal abraço da vida...
Deve ser um intervalo... É o respeito
Que de tal longa vida faz calamidade
Pois quem pode suportar do tempo azorrague e chufas,
Os erros do tirano, ultrajes do orgulho,
As angústias de amor desprezado, a lei tardia,
A insolência das repartições e o coice destinado
Pelos inúteis aos meritórios pacientes?
Para quê se pode aquietar-se, acomodar-se,
Com um simples punhal? Quem suportará,
Suando e resmungando,vida de fadigas
Senão quem teme o horror de qualquer coisa após a morte,
País desconhecido, a descobrir, cujas fronteiras
Não há quem volte a atravessar e nos intriga
E nos faz continuar a suportar os nossos males
Em vez de fugir para outros que desconhecemos?...
Assim a todos nos faz covardes nossa consciência,
Assim o grito natural do ânimo mais resoluto
Se afoga na pálida sombra do pensar
E as empresas de mor peso e alto fim,
Tal vendo mudam o seu rumor errando
E nada conseguindo! Sossega agora...
Mas, devagar, agora!
A bela Ofélia!
(Para Ofélia) Ninfa, em tuas orações
Sejam sempre lembrados meus pecados”.
(SHAKSPEARE)
Ser ou não ser? Essa é a questão existencial de Hamlet. Ele questiona sua própria existência e a forma como a qual ela se dá. A questão para Hamlet é exatamente sobre sofrer na alma pedradas e flechas do destino feroz, em que o homem é comandado por esse destino; ou pegar em armas contra o mar de angústias combatendo-o, dando-lhe fim: tornar-se seu próprio centro e comnadar suas atitudes e consequencias. Ficar à mercê do destino ou tomar a vida em suas próprias mãos e agir? “E assim, a reflexão faz de todos nós covardes/ E assim o matriz natural da decisão/ Se transforma no doentio pálido do pensamento./ E empreitadas de vigor e coragem,/ Refletidas demais, saem de seu caminho,/ Perdem o nome de ação”. Refletir demais o leva a não agir; Hamlet vive uma crise entre sua racionalidade – que o faz não agir – e seus instintos e ações que, até então, eram tidas como as mais corretas no contexto cultural em que estava inserido (como matar o traidor).
No final desse diálogo, Hamlet vê Ofélia rezando. Aqui temos o caráter religioso, que marca a era anetrior ao pensamento moderno, antropocentrista por excelência; época essa em que Deus era o centro do Universo. Hamlet é escrita num momento em que a história humana ocidental efetuava essa passagem, que durou mais de um século. Quando ve Ofélia, Hamlet diz: “Mas, devagar, agora!/ A bela Ofélia!/ (Para Ofélia) Ninfa, em tuas orações/ Sejam sempre lembrados meus pecados”. Essas falas antecedem o momento em que Hamlet rompe com Ofélia e descobre que ela fora joguete nas mãos de seu pai e de seu tio Cláudio. Esse rompimento é essencial para que o princípe prossiga com seus planos, a partir de então marcados pela ação. Pode-se entender isso como o rompimento com o pensamento teocêntrico, quando Hamlet passa a agir de acordo com sua consciência e não mais sob influência do destino. Matar ou não Cláudio, não é a questão, mas sim o porquê de matá-lo. O espectro do rei, pai de Hamlet, é outro elemento teocêntrico na peça, com o qual Hamlet também rompe. Hamlet não acredita no que o fantasma lhe conta e precisa armar a cena do teatro para que comprove, através da reação do tio, que o pai fora envenenado. É a razão que lhe dá certeza. Agora que a verdade foi descoberta, poderia agir sem receio, mas ainda não o faz.
A suposta loucura de Hamlet também deve ser analisada. Quando começa a tomar consciência das coisas ele é tido como louco e utiliza-se dessa “loucura” para colocar seus planos em andamento. Está presente aqui o conflito entre consciente e inconsciente e entre razão (conhecimento científico) e a loucura, O renascimento é um momento de ampliação dos conhecimentos científicos. Para o homem medieval esses conhecimentos geram conflitos, pois questionam sua forma de ver o mundo. Indaga suas verdades, o que pode o levar à loucura ou ao questionamento. E é exatamente esse questionamento que marca as ações de Hamlet durante toda a peça, ele pode ser visto como esse homem de transição entre a cultura medieval e o homem moderno, suas indagações são as mesmas que transformam o homem moderno.
Fica a pergunta: em tempos de tecnologias da comunicação e informação, como fica o homem moderno?
BIBLIOGRAFIA:
- BURKE, James e ORNSTEN, Robert. O Presente do Fazedor de Machados. 1º edição, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999. ISBN 85-286-0668-4.
- RENASCIMENTO Cultural. Disponível em: http://br.geocities.com/fusaobr/renascimento.html. Acesso em: 30/03/2009
- SHAKESPEARE, Willian. Hamlet. Tradução de José Blanc de Portugal, Editorial Presença, 3ª. ed., 1997.
30/03/2009
Ciência, filosofia, teologia, religião e verdade
Ainda refletindo sobre a tal ciência, ontem assistimos o Programa Café Filosófico, na TV Cultura, em que a filósofa brasileira Viviane Mosé falou sobre Nietzche. Foi maravilhoso, porque ampliou nossa cosciência sobre o filósofo e sobre a existência.
Seguem alguns trechos que peguei no Youtube.
Acerca do debate sobre ciência, filosofia, teologia, religião e verdade, queria apontar esse vídeo com um trecho do programa Café Filosófico do dia 29/03/229, da TV Cultura, sobre Nietzche, nesse link.
A filósofa Viviane Mosé termina esse trecho dizendo assim: "Por isso que não tem nada a ver religião com fé, religião é uma coisa de ser humano e, em geral, nefasto, difícil e perigoso. Agora, fé é um assunto maravilhoso. eu por exemplo tenho muita fé, tenho fé na vida, nas coisas que brotam, no dia que nasce e acredito que tudo é interessante, que os conflitos sejam bons, que todas as coisas têm uma porção interessante, que a gente pose tirar sempre alguma coisa de belo".
Aqui, mais um trecho desse programa, que fala mais exatamente sobre o niilismo como negação dos valores superiores. A filósofa explica que para Nietszche, "a Morte de Deus é o que mata a Modernidade. Mas a morte de Deus é muito diferente do que as pessoas pensam, Morte de Deus é o seguinte: quando a ciência nasce, a religião perde o valor. Então, quem mata Deus é a ciência, o homem científico".
Na continuação ela explica que esse homem moderno cria outra ilusão. Esse homem reage à Deus e no trono que ele tinha antes dedicado a Deus ele coloca outra coisa, o futuro. Cria outra metáfora, ilusão, mundo, que é o futuro.
Nesse trecho do programa , a filósofa trata da relação do homem com o mundo, sua necessidade de entendê-lo e explicá-lo. E a partir disso, em sua relação com a verdade.
Ela diz: "a verdade não é produto da nossa curiosidade humana em descobrir o que as coisas são, a verdade é produto do nosso medo da morte, a verdade é a necessidade de estabelecer no mundo a duração, a verdade é produto de uma necessidade psicológica de duração, é literalmente o que Nietzche diz".
VALE A PENA ASSISTIR INTEIRO!!!!
Seguem alguns trechos que peguei no Youtube.
Acerca do debate sobre ciência, filosofia, teologia, religião e verdade, queria apontar esse vídeo com um trecho do programa Café Filosófico do dia 29/03/229, da TV Cultura, sobre Nietzche, nesse link.
A filósofa Viviane Mosé termina esse trecho dizendo assim: "Por isso que não tem nada a ver religião com fé, religião é uma coisa de ser humano e, em geral, nefasto, difícil e perigoso. Agora, fé é um assunto maravilhoso. eu por exemplo tenho muita fé, tenho fé na vida, nas coisas que brotam, no dia que nasce e acredito que tudo é interessante, que os conflitos sejam bons, que todas as coisas têm uma porção interessante, que a gente pose tirar sempre alguma coisa de belo".
Aqui, mais um trecho desse programa, que fala mais exatamente sobre o niilismo como negação dos valores superiores. A filósofa explica que para Nietszche, "a Morte de Deus é o que mata a Modernidade. Mas a morte de Deus é muito diferente do que as pessoas pensam, Morte de Deus é o seguinte: quando a ciência nasce, a religião perde o valor. Então, quem mata Deus é a ciência, o homem científico".
Na continuação ela explica que esse homem moderno cria outra ilusão. Esse homem reage à Deus e no trono que ele tinha antes dedicado a Deus ele coloca outra coisa, o futuro. Cria outra metáfora, ilusão, mundo, que é o futuro.
Nesse trecho do programa , a filósofa trata da relação do homem com o mundo, sua necessidade de entendê-lo e explicá-lo. E a partir disso, em sua relação com a verdade.
Ela diz: "a verdade não é produto da nossa curiosidade humana em descobrir o que as coisas são, a verdade é produto do nosso medo da morte, a verdade é a necessidade de estabelecer no mundo a duração, a verdade é produto de uma necessidade psicológica de duração, é literalmente o que Nietzche diz".
VALE A PENA ASSISTIR INTEIRO!!!!
Ciência, tecnologia, mercantilismo e tempo
Continuando a série sobre o curso da FGV, segue mais uma reflexão...
Bem, levando em conta o que está sendo construído nesse espaço e as leituras do módulo, começo a fazer alguns apontamentos sobre as reflexões que me causaram.
Fiquei pensando muito sobre o domínio da economia sobre as outras esferas em tempos pós revolução-industrial e de revolução tecnológica. Numa primeira análise, acho que a relação mercantil com a ciência, nos dias de hoje, é certa e acho difícil mudarmos isso num médio prazo, por isso, sempre fico pensando que o debate é sobre o papel do Estado (e portanto dos governos brasileiros) nesse processo. Para discutirmos isso, como coletivo social, precisaríamos pensar, refletir e negociar quais são as prioridades da nação brasileira, qual nosso projeto de nação. A partir daí, conseguimos agir para exigir, transformar e adaptar nossos governos.
Em muitas universidades públicas ou privadas, por exemplo, temos empresas financiando salas ou grupos de pesquisa. Isso, naturalmente, direciona a ciência para resultados esperados por essas empresas. Isso é um problema? Não, se não for só isso o que ocorrer. Quer dizer, se o governo entender que as empresas desempenham o papel de financiar a pesquisa mais imediatista e voltada a interesses diretos e disponibilizar verbas e projetos para outras formas de pesquisa e desenvolvimento, não teremos um único caminho de pesquisa para o país.
Agora, enquanto tivermos um projeto neo-liberalizante de governança, teremos o ensino e a pesquisa voltados para resultados imediatistas e mercantis.
Um dos textos da unidade 2 traz um dado interessante para contrapor essa visão imediatista e “focada” da pesquisa. Falando sobre o surgimento da internet etc., a jorbalista Cora Rónai explica que quem percebeu a potencialidade da relação homem-computador não foi um dos pesquisadores dedicados diariamente a desenvolver as grandes máquinas de calcular da época, mas sim o psicólogo Joseph Carl Robnett Licklider, “de tanto brincar com elas como não-especialista, Lick foi a primeira pessoa a intuir que, um dia, aqueles mostrengos poderiam se transformar em extensões do cérebro humano. Em 1960, publicou as suas idéias sobre o assunto em Simbiose Homem-Computador – e nada foi mais como antes”. (RÓNAI)
“Marc Andreessen, que criou o Mosaic, e depois o Netscape, a partir do protótipo de browser do CERN, foi o primeiro milionário com fama de pop star da rede. Mas Tim Berners-Lee, o discreto gênio de Genebra, hoje no MIT, não se arrepende de não ter patenteado a sua invenção. Ele prefere a sensação de realização que sente ao ver a Web crescendo sem barreiras a uma montanha de dinheiro no banco”. (RÓNAI)
O texto de Profetas e Patinetes de Luiz Fernando Verissimo, apresentado no material da unidade 2, nos faz refletir sobre como “endeusamos” os cientistas, buscando neles as respostas para o futuro ou para nossas angústias epocais. Uma das características filosofia de Nietzsche era exatamente apontar a existência no tempo presente. A partir daí, tanto a filosofia como a ciência e outras áreas do conhecimento começaram a se permitir arriscar teorias e palpites sobre os movimentos, acontecimentos e fenômenos do presente. Escrevo arriscar, porque falar do presente certamente é recair em erros. Uma ciência do passado analisa fatos já ocorridos e, portanto, mais estanques e refletidos. Uma ciência do futuro só será compreendida no futuro e, portanto, avaliada no futuro e o futuro é o tempo por vir e portanto, não existe na conjuntura atual. Uma ciência do presente necessariamente analisa fatos e verdades ainda mais efêmeras. Com as Revoluções Industrial e Tecnológica o tempo presente é cada vez mais “rápido” e suas transformações e efemeridades também. Assim, uma ciência que busque se aplicar ao presente precisa necessariamente se adaptar a essa velocidade, mas sem deixar de lado a crítica ao “apertamento” do tempo. Quer dizer, precisamos nos relacionar com o tempo de maneira positivia, não podemos mudá-lo, mas podemos sim, mudar nossa perspectivas sobre o tempo necessário para determinada atividade ou comprovação. Não mudaremos o tempo, mas podemos mudar os paradigmas de nossa relação com ele.
Bibliografia:
RÓNAI, Cora. Internet, a informação franqueada. O Globo. Rio de Janeiro, n. 33, 1999. Globo 2000, p. 770-771.
VERISSIMO, Luiz Fernando. Profetas e patinetes. O Globo. Rio de Janeiro, 15 out. 2000. Opinião, p. 7.
Bem, levando em conta o que está sendo construído nesse espaço e as leituras do módulo, começo a fazer alguns apontamentos sobre as reflexões que me causaram.
Fiquei pensando muito sobre o domínio da economia sobre as outras esferas em tempos pós revolução-industrial e de revolução tecnológica. Numa primeira análise, acho que a relação mercantil com a ciência, nos dias de hoje, é certa e acho difícil mudarmos isso num médio prazo, por isso, sempre fico pensando que o debate é sobre o papel do Estado (e portanto dos governos brasileiros) nesse processo. Para discutirmos isso, como coletivo social, precisaríamos pensar, refletir e negociar quais são as prioridades da nação brasileira, qual nosso projeto de nação. A partir daí, conseguimos agir para exigir, transformar e adaptar nossos governos.
Em muitas universidades públicas ou privadas, por exemplo, temos empresas financiando salas ou grupos de pesquisa. Isso, naturalmente, direciona a ciência para resultados esperados por essas empresas. Isso é um problema? Não, se não for só isso o que ocorrer. Quer dizer, se o governo entender que as empresas desempenham o papel de financiar a pesquisa mais imediatista e voltada a interesses diretos e disponibilizar verbas e projetos para outras formas de pesquisa e desenvolvimento, não teremos um único caminho de pesquisa para o país.
Agora, enquanto tivermos um projeto neo-liberalizante de governança, teremos o ensino e a pesquisa voltados para resultados imediatistas e mercantis.
Um dos textos da unidade 2 traz um dado interessante para contrapor essa visão imediatista e “focada” da pesquisa. Falando sobre o surgimento da internet etc., a jorbalista Cora Rónai explica que quem percebeu a potencialidade da relação homem-computador não foi um dos pesquisadores dedicados diariamente a desenvolver as grandes máquinas de calcular da época, mas sim o psicólogo Joseph Carl Robnett Licklider, “de tanto brincar com elas como não-especialista, Lick foi a primeira pessoa a intuir que, um dia, aqueles mostrengos poderiam se transformar em extensões do cérebro humano. Em 1960, publicou as suas idéias sobre o assunto em Simbiose Homem-Computador – e nada foi mais como antes”. (RÓNAI)
“Marc Andreessen, que criou o Mosaic, e depois o Netscape, a partir do protótipo de browser do CERN, foi o primeiro milionário com fama de pop star da rede. Mas Tim Berners-Lee, o discreto gênio de Genebra, hoje no MIT, não se arrepende de não ter patenteado a sua invenção. Ele prefere a sensação de realização que sente ao ver a Web crescendo sem barreiras a uma montanha de dinheiro no banco”. (RÓNAI)
O texto de Profetas e Patinetes de Luiz Fernando Verissimo, apresentado no material da unidade 2, nos faz refletir sobre como “endeusamos” os cientistas, buscando neles as respostas para o futuro ou para nossas angústias epocais. Uma das características filosofia de Nietzsche era exatamente apontar a existência no tempo presente. A partir daí, tanto a filosofia como a ciência e outras áreas do conhecimento começaram a se permitir arriscar teorias e palpites sobre os movimentos, acontecimentos e fenômenos do presente. Escrevo arriscar, porque falar do presente certamente é recair em erros. Uma ciência do passado analisa fatos já ocorridos e, portanto, mais estanques e refletidos. Uma ciência do futuro só será compreendida no futuro e, portanto, avaliada no futuro e o futuro é o tempo por vir e portanto, não existe na conjuntura atual. Uma ciência do presente necessariamente analisa fatos e verdades ainda mais efêmeras. Com as Revoluções Industrial e Tecnológica o tempo presente é cada vez mais “rápido” e suas transformações e efemeridades também. Assim, uma ciência que busque se aplicar ao presente precisa necessariamente se adaptar a essa velocidade, mas sem deixar de lado a crítica ao “apertamento” do tempo. Quer dizer, precisamos nos relacionar com o tempo de maneira positivia, não podemos mudá-lo, mas podemos sim, mudar nossa perspectivas sobre o tempo necessário para determinada atividade ou comprovação. Não mudaremos o tempo, mas podemos mudar os paradigmas de nossa relação com ele.
Bibliografia:
RÓNAI, Cora. Internet, a informação franqueada. O Globo. Rio de Janeiro, n. 33, 1999. Globo 2000, p. 770-771.
VERISSIMO, Luiz Fernando. Profetas e patinetes. O Globo. Rio de Janeiro, 15 out. 2000. Opinião, p. 7.
25/03/2009
CONHECIMENTO CIENTÍFICO II
Olá queridas e queridos,
boa tarde!
Segue uma análise do texto “O VALOR da ciência e da divulgação”, escrito por Francisco Ângelo Coutinho Filósofo da ciência e Rogério Parentoni Martins Professor de Ecologia e Coordenador e que consta no material desse curso da FGV que estou fazendo.
Em verde as partes do textos e em preto meus comentários.
O texto começa com uma citação de Kierkgaard, que, segundo a Wikipidia foi um teólogo e filósofo dinamarquês do século XIX, que é conhecido por ser o "pai do existencialismo", embora algumas novas pesquisas mostrem que isso pode ser uma conexão mais difícil do que fora, previamente, pensado”. (WIKIPEDIA, 2009).
“O sujeito (cientista), em seu relacionamento com o mundo (atividade científica), consigo mesmo e com o absoluto, nada encontra de firme. A existência é algo incerto e inseguro. (Kierkgaard) “. (COUTINHO e MARTINS)
”O conhecimento científico tem as qualidades de imperfeição e dúvida, por isso não há consenso na comunidade científica”. (COUTINHO e MARTINS) Concordo, assim como acontece com o conhecimento filosófico, teológico, empírico e tantos outros. Penso que não há consenso em qualquer comunidade humana, porque existirão tantas verdades quanto pessoas refletindo sobre o mundo. Realmente acredito que todos refletimos sobre o mundo, a vida etc. Cada um de sua forma, com sua maneira, com suas ferramentas e seus tempos... Não quer dizer que todo mundo produza ciência, até porque como vimos, a produção da ciência leva em conta todo um método definido.
Mas penso diferente do que o autor coloca sobre o desconhecimento do método científico levar à crença em superstições. “Um dos responsáveis pelo apego a superstições é o desconhecimento de como a atividade científica é desempenhada ”.(COUTINHO e MARTINS) Isso pode ocorrer sim, certamente, mas não é o único processo. Quer dizer, posso conhecer o método científico muito bem e optar conscientemente por não elegê-lo como forma de explicar o mundo para mim. Posso entendê-lo e colocá-lo no mesmo patamar que outros conhecimentos colocados como “supersticiosos” pelo autor. Posso optar por uma análise de mundo que não seja hierárquica e que leve em consideração todos os tipos de conhecimento disponíveis em meu contexto, inclusive meu conhecimento das “experiências da vida”.
“Tais imperfeições da prática científica têm justificado para alguns o aumento da propagação da crença em superstições ou explicações pseudocientíficas: se a ciência nem sempre está correta e não é uma fonte de riquezas morais, então o melhor é buscar uma ciência alternativa. Uma vez colocados em dúvida os conhecimentos científicos, abre-se o caminho para crenças sobre a vida emocional das plantas, continentes que emergem e afundam rapidamente, Terras ocas, canalização dos mortos, deuses astronautas, estupro astral, alienígenas entre nós, civilizações subterrâneas e criacionismo científico ”.(COUTINHO e MARTINS)
Fico pensando que o fato de uma pessoa não acreditar no conhecimento científico como único ou melhor que dispomos para “ investigar fenômenos naturais e fornecer soluções para problemas concretos”, não quer dizer que “caem no conto do vigário, crendo estar comprando livros com alguma informação sensata ”(COUTINHO e MARTINS), me parece que isso pode ser uma análise etnocêntrica sobre o valor da metodologia científica. Sim, existem “charlatanismos”, inclusive que usam do “método científico” para se justificar!!! Não necessariamente quem desconhece ou não entende como o conhecimento científico é adquirido, “acredita na ciência alternativa” (COUTINHO e MARTINS) ou em superstições é uma visão muito reducionista da coisa e muito prepotente sobre a ciência.
Os autores colocam que “ Desde os gregos, sabemos que o desejo de conhecer o mundo é inerente à nossa natureza. Por isso, pessoas que pagam por crenças e superstições, em boas livrarias, não devem ser consideradas ignorantes. Elas desejam sinceramente compreender e sondar o mundo ao seu redor, mas, por não entenderem como o conhecimento científico é adquirido, caem no conto do vigário, crendo estar comprando livros com alguma informação sensata ”.(COUTINHO e MARTINS)
Isso me leva a pensar na pedagogia proposta por Paulo Freire. O educador colocava que a educação libertadora encarna a busca permanente que fazem homens e mulheres, uns com os outros, no mundo em que e com que estão, de seu Ser Mais. Na educação libertadora, o homem e a mulher sociais estão em constante transformação. Homens e mulheres são seres inacabados e, portanto, em constante crescimento e aprendizado. O aprendizado deve se dar no concreto, na reflexão crítica do homem e da mulher a respeito da realidade, na expressão de suas raízes e vivências populares, na compreensão de sua condição de seres sociais (CASA BRASIL). Daí, Paulo Freire propõe uma prática educativa libertária em que "ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo."
Educadores e educandos compartilham conhecimentos na busca de sentidos comuns, exercitando diariamente o amor, o respeito, a compreensão e o diálogo. Isso não quer dizer que o processo educativo não tenha que ser planejado e conduzido de forma sistemática para a sua efetivação (CASA BRASIL). Ao contrário, para Paulo Freire, "a tarefa do educador é problematizar os conteúdos programados para os educandos." (in CASA BRASIL). Essa problematização centra-se no diálogo entre educadores e educandos a respeito dos temas referentes aos conteúdos, de forma relacionada à realidade e às condições do contexto socioeconômico e cultural dos educandos. “A educação libertadora se dá entre seres dialógicos, que privilegiam o diálogo como única condição para o conhecimento das pessoas e de tudo que as cerca, numa busca contínua de compreensão da realidade e aprendizagem nesse processo de compreensão”. (in CASA BRASIL)
Assim, os autores respondem a uma pergunta feita no início do texto: “Por que pessoas inteligentes ignoram certos conhconhecimentos científicos modernos e se apegam a crenças pré-medievais?”, com a seguinte indicação: “Uma das respostas é a de que o desconhecimento da capacidade explicativa limitada da ciência, abre caminho para a superstição. Quando uma pessoa adoece, ela pode tomar remédio, rezar ou ambos. Se ela reza e não toma o remédio é porque está convicta do poder curativo da reza e desconhece ou despreza um tratamento cientificamente comprovado”.(COUTINHO e MARTINS) Ou se ela apenas toma remédio é porque conhece um tratamento cientificamente comprovado ou não o conhece e acredita em sua eficiência porque o médico, que é um Dr. Estudado e intelectualizado, disse. Os autores no texto contam o caso de seres humanos usados como caobais para o estudo de certas doenças e a comprovação científica da eficácia do uso de determinado medicamento. Podemos analisar os resultados de pelo menos algumas maneiras. “ Seres humanos são usados como cobaias para estudar certas doenças, como ocorreu em Tuskegee, Alabama, de 1932 a 1972. Nesse estudo, foi informado a um grupo de 309 negros com sífilis e outro com 210 sem a doença, que estavam com o sangue ruim. A todos foi prometido tratamento (penicilina), mas recebiam somente água com açúcar. Em 69, morreram 28, em 72, 74, e, em 97, apenas sete sobreviveram (COUTINHO e MARTINS).
Podemos inferir que a penicilina é eficaz no tratamento da sífilis, podemos perceber que algumas pessoas morreram mesmo sem ter sifílis, mas essas pessoas podiam ter, por exemplo, Diabets, e morreram por conta de estarem tomando açúcar!!! Podemos ainda pensar que água com açúcar ajudou 7 pessoas a sobreviverem; podemos inferir que os que morreram não tinham fé e muitas outras coisas. Em fim, o que quero dizer aqui é que mesmo o método científico pode justificar outros pensamentos e conclusões não tão científicas assim.
O fato de desconhecermos os métodos científicos não quer dizer necessariamente que somos ignorantes e que não possuímos sabedoria ou conhecimento sobre as coisas. O fato de desprezarmos o conhecimento científico como único ou melhor também não nos faz ignorantes ou supersticiosos.
Fico pensando que o fato de percebermos o conhecimento científico como único ou melhor capaz de resolver os problemas da humanidade ou dar conta de nossa busca como seres humanos (que aliás deve existir bem antes da Grécia Antiga!), isso sim nos torna ignorantes, pois cria uma lente sobre o que vemos e observamos.
Os autores colocam ainda que uma das causas do problema da dificuldade em se perceber o valor da ciência é a linguagem hermética usada pelos cientistas. “Basta que mudem sua linguagem. É o mínimo que se espera numa democracia, onde as pessoas precisam se entender. Aliás, esse seria um serviço útil dos cientistas à própria compreensão da ciência que tanto prezam”(COUTINHO e MARTINS). Se esse fosse o maior problema, sua resolução seria fácil. Bastraia contratarmos tradutores, jornalistas, linguistas e o problema estaria resolvido. É claro que existe um problema de linguagem na transmissão dos conhecimentos gerados pela ciência, do método utilizado etc. E isso certamente leva a muitos não entenderem, desconhecerem ou mesmo desprezarem o conhecimento científico em detrimento de outros, supersticiosos ou não. Mas não podemos dizer que as pessoas acreditam nas tais “superstições ou pseudo-ciências” simplesmente porque são mais fáceis de ler ou entender. Mais uma vez estamos sendo reducionistas!
Entender, apreender e transmitir conhecimento, como colocado na unidade 3, são peças chave da educação e isso serve para o questionamento e o aperfeiçoamento do conhecimento apreendido e, portanto, para o exercício da cidadania. E esse exercício consiste inclusive em perceber e entender que o mundo não é feito de unidades, mas de pluralidades e que nada é superior a nada, mas sim, convivemos o tempo todo com as diferenças que existem dentro de cada um e nas relações com outros e com o mundo. Assim, a compreensão não deveria levar à escolha de uma visão de mundo, mas sim à percepção de como as visões se articulam e como podem contribuir conjuntamente para alcançarmos um mundo melhor e sim, cheio de diferenças!!!
Como diria Einstein “a imaginação é mais importante que o conhecimento”.
Bibliografia:
- EaD CASA BRASIL. Material da Oficina à distância Formação de Educadores Populares em Rede. Disponível em: http://cursos.casabrasil.gov.br. Acesso em: 25 de Março de 2009.
- COUTINHO, Francisco Ângelo e MARTINS, Rogério Parentoni. O VALOR da ciência e da divulgação. Jornal da ciência, Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, n. 420, set. 1999.
- WIKIPEDIA. Søren Kierkegaard. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%B8ren_Kierkegaard. Acesso em 25 de Março de 2009.
boa tarde!
Segue uma análise do texto “O VALOR da ciência e da divulgação”, escrito por Francisco Ângelo Coutinho Filósofo da ciência e Rogério Parentoni Martins Professor de Ecologia e Coordenador e que consta no material desse curso da FGV que estou fazendo.
Em verde as partes do textos e em preto meus comentários.
O texto começa com uma citação de Kierkgaard, que, segundo a Wikipidia foi um teólogo e filósofo dinamarquês do século XIX, que é conhecido por ser o "pai do existencialismo", embora algumas novas pesquisas mostrem que isso pode ser uma conexão mais difícil do que fora, previamente, pensado”. (WIKIPEDIA, 2009).
“O sujeito (cientista), em seu relacionamento com o mundo (atividade científica), consigo mesmo e com o absoluto, nada encontra de firme. A existência é algo incerto e inseguro. (Kierkgaard) “. (COUTINHO e MARTINS)
”O conhecimento científico tem as qualidades de imperfeição e dúvida, por isso não há consenso na comunidade científica”. (COUTINHO e MARTINS) Concordo, assim como acontece com o conhecimento filosófico, teológico, empírico e tantos outros. Penso que não há consenso em qualquer comunidade humana, porque existirão tantas verdades quanto pessoas refletindo sobre o mundo. Realmente acredito que todos refletimos sobre o mundo, a vida etc. Cada um de sua forma, com sua maneira, com suas ferramentas e seus tempos... Não quer dizer que todo mundo produza ciência, até porque como vimos, a produção da ciência leva em conta todo um método definido.
Mas penso diferente do que o autor coloca sobre o desconhecimento do método científico levar à crença em superstições. “Um dos responsáveis pelo apego a superstições é o desconhecimento de como a atividade científica é desempenhada ”.(COUTINHO e MARTINS) Isso pode ocorrer sim, certamente, mas não é o único processo. Quer dizer, posso conhecer o método científico muito bem e optar conscientemente por não elegê-lo como forma de explicar o mundo para mim. Posso entendê-lo e colocá-lo no mesmo patamar que outros conhecimentos colocados como “supersticiosos” pelo autor. Posso optar por uma análise de mundo que não seja hierárquica e que leve em consideração todos os tipos de conhecimento disponíveis em meu contexto, inclusive meu conhecimento das “experiências da vida”.
“Tais imperfeições da prática científica têm justificado para alguns o aumento da propagação da crença em superstições ou explicações pseudocientíficas: se a ciência nem sempre está correta e não é uma fonte de riquezas morais, então o melhor é buscar uma ciência alternativa. Uma vez colocados em dúvida os conhecimentos científicos, abre-se o caminho para crenças sobre a vida emocional das plantas, continentes que emergem e afundam rapidamente, Terras ocas, canalização dos mortos, deuses astronautas, estupro astral, alienígenas entre nós, civilizações subterrâneas e criacionismo científico ”.(COUTINHO e MARTINS)
Fico pensando que o fato de uma pessoa não acreditar no conhecimento científico como único ou melhor que dispomos para “ investigar fenômenos naturais e fornecer soluções para problemas concretos”, não quer dizer que “caem no conto do vigário, crendo estar comprando livros com alguma informação sensata ”(COUTINHO e MARTINS), me parece que isso pode ser uma análise etnocêntrica sobre o valor da metodologia científica. Sim, existem “charlatanismos”, inclusive que usam do “método científico” para se justificar!!! Não necessariamente quem desconhece ou não entende como o conhecimento científico é adquirido, “acredita na ciência alternativa” (COUTINHO e MARTINS) ou em superstições é uma visão muito reducionista da coisa e muito prepotente sobre a ciência.
Os autores colocam que “ Desde os gregos, sabemos que o desejo de conhecer o mundo é inerente à nossa natureza. Por isso, pessoas que pagam por crenças e superstições, em boas livrarias, não devem ser consideradas ignorantes. Elas desejam sinceramente compreender e sondar o mundo ao seu redor, mas, por não entenderem como o conhecimento científico é adquirido, caem no conto do vigário, crendo estar comprando livros com alguma informação sensata ”.(COUTINHO e MARTINS)
Isso me leva a pensar na pedagogia proposta por Paulo Freire. O educador colocava que a educação libertadora encarna a busca permanente que fazem homens e mulheres, uns com os outros, no mundo em que e com que estão, de seu Ser Mais. Na educação libertadora, o homem e a mulher sociais estão em constante transformação. Homens e mulheres são seres inacabados e, portanto, em constante crescimento e aprendizado. O aprendizado deve se dar no concreto, na reflexão crítica do homem e da mulher a respeito da realidade, na expressão de suas raízes e vivências populares, na compreensão de sua condição de seres sociais (CASA BRASIL). Daí, Paulo Freire propõe uma prática educativa libertária em que "ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo."
Educadores e educandos compartilham conhecimentos na busca de sentidos comuns, exercitando diariamente o amor, o respeito, a compreensão e o diálogo. Isso não quer dizer que o processo educativo não tenha que ser planejado e conduzido de forma sistemática para a sua efetivação (CASA BRASIL). Ao contrário, para Paulo Freire, "a tarefa do educador é problematizar os conteúdos programados para os educandos." (in CASA BRASIL). Essa problematização centra-se no diálogo entre educadores e educandos a respeito dos temas referentes aos conteúdos, de forma relacionada à realidade e às condições do contexto socioeconômico e cultural dos educandos. “A educação libertadora se dá entre seres dialógicos, que privilegiam o diálogo como única condição para o conhecimento das pessoas e de tudo que as cerca, numa busca contínua de compreensão da realidade e aprendizagem nesse processo de compreensão”. (in CASA BRASIL)
Assim, os autores respondem a uma pergunta feita no início do texto: “Por que pessoas inteligentes ignoram certos conhconhecimentos científicos modernos e se apegam a crenças pré-medievais?”, com a seguinte indicação: “Uma das respostas é a de que o desconhecimento da capacidade explicativa limitada da ciência, abre caminho para a superstição. Quando uma pessoa adoece, ela pode tomar remédio, rezar ou ambos. Se ela reza e não toma o remédio é porque está convicta do poder curativo da reza e desconhece ou despreza um tratamento cientificamente comprovado”.(COUTINHO e MARTINS) Ou se ela apenas toma remédio é porque conhece um tratamento cientificamente comprovado ou não o conhece e acredita em sua eficiência porque o médico, que é um Dr. Estudado e intelectualizado, disse. Os autores no texto contam o caso de seres humanos usados como caobais para o estudo de certas doenças e a comprovação científica da eficácia do uso de determinado medicamento. Podemos analisar os resultados de pelo menos algumas maneiras. “ Seres humanos são usados como cobaias para estudar certas doenças, como ocorreu em Tuskegee, Alabama, de 1932 a 1972. Nesse estudo, foi informado a um grupo de 309 negros com sífilis e outro com 210 sem a doença, que estavam com o sangue ruim. A todos foi prometido tratamento (penicilina), mas recebiam somente água com açúcar. Em 69, morreram 28, em 72, 74, e, em 97, apenas sete sobreviveram (COUTINHO e MARTINS).
Podemos inferir que a penicilina é eficaz no tratamento da sífilis, podemos perceber que algumas pessoas morreram mesmo sem ter sifílis, mas essas pessoas podiam ter, por exemplo, Diabets, e morreram por conta de estarem tomando açúcar!!! Podemos ainda pensar que água com açúcar ajudou 7 pessoas a sobreviverem; podemos inferir que os que morreram não tinham fé e muitas outras coisas. Em fim, o que quero dizer aqui é que mesmo o método científico pode justificar outros pensamentos e conclusões não tão científicas assim.
O fato de desconhecermos os métodos científicos não quer dizer necessariamente que somos ignorantes e que não possuímos sabedoria ou conhecimento sobre as coisas. O fato de desprezarmos o conhecimento científico como único ou melhor também não nos faz ignorantes ou supersticiosos.
Fico pensando que o fato de percebermos o conhecimento científico como único ou melhor capaz de resolver os problemas da humanidade ou dar conta de nossa busca como seres humanos (que aliás deve existir bem antes da Grécia Antiga!), isso sim nos torna ignorantes, pois cria uma lente sobre o que vemos e observamos.
Os autores colocam ainda que uma das causas do problema da dificuldade em se perceber o valor da ciência é a linguagem hermética usada pelos cientistas. “Basta que mudem sua linguagem. É o mínimo que se espera numa democracia, onde as pessoas precisam se entender. Aliás, esse seria um serviço útil dos cientistas à própria compreensão da ciência que tanto prezam”(COUTINHO e MARTINS). Se esse fosse o maior problema, sua resolução seria fácil. Bastraia contratarmos tradutores, jornalistas, linguistas e o problema estaria resolvido. É claro que existe um problema de linguagem na transmissão dos conhecimentos gerados pela ciência, do método utilizado etc. E isso certamente leva a muitos não entenderem, desconhecerem ou mesmo desprezarem o conhecimento científico em detrimento de outros, supersticiosos ou não. Mas não podemos dizer que as pessoas acreditam nas tais “superstições ou pseudo-ciências” simplesmente porque são mais fáceis de ler ou entender. Mais uma vez estamos sendo reducionistas!
Entender, apreender e transmitir conhecimento, como colocado na unidade 3, são peças chave da educação e isso serve para o questionamento e o aperfeiçoamento do conhecimento apreendido e, portanto, para o exercício da cidadania. E esse exercício consiste inclusive em perceber e entender que o mundo não é feito de unidades, mas de pluralidades e que nada é superior a nada, mas sim, convivemos o tempo todo com as diferenças que existem dentro de cada um e nas relações com outros e com o mundo. Assim, a compreensão não deveria levar à escolha de uma visão de mundo, mas sim à percepção de como as visões se articulam e como podem contribuir conjuntamente para alcançarmos um mundo melhor e sim, cheio de diferenças!!!
Como diria Einstein “a imaginação é mais importante que o conhecimento”.
Bibliografia:
- EaD CASA BRASIL. Material da Oficina à distância Formação de Educadores Populares em Rede. Disponível em: http://cursos.casabrasil.gov.br. Acesso em: 25 de Março de 2009.
- COUTINHO, Francisco Ângelo e MARTINS, Rogério Parentoni. O VALOR da ciência e da divulgação. Jornal da ciência, Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, n. 420, set. 1999.
- WIKIPEDIA. Søren Kierkegaard. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%B8ren_Kierkegaard. Acesso em 25 de Março de 2009.
23/03/2009
CONHECIMENTO CIENTÍFICO?!
Estou fazendo uma pós virtual na FGV em docência universitária e a segunda disciplina é sobre "Metodologia de pesquisa". O material propõe um debate inicial sobre o conhecimento centífico. Li e reli o material e cada vez minha inquietação aumenta... Não sabia exatamente como colocá-la, mas daí durante o almoço, Guimarães Rosa me veio em auxílio quase que espiritual. Deixo aqui então os comentários que coloquei para a moçada do curso para apreciação. Notem que não é nada elaborado, apenas fui escrevendo enquanto lia o material... Espero até o final do curso ter mais clareza nessas coisas e colocações, mas depois venho contra proceis.
Queridas e queridos,
boa tarde!
Bem, demorei para me pronunciar, pois estava tentando ler mais para colocar algumas inquietações que surgiram durante a leitura dos textos. Ainda não terminei a leitura de todo o módulo (falta a unidade 4), mas gostaria de trazer algumas coisas para refletirmos.
Minha inquietação com o material apresentado, assim como ocorreu durante a universidade, foi o fato de o conhecimento científico positivista ser visto como a metodologia mais correta e válida com relação à busca da verdade, mas creio que todas as formas de investigação são válidas. A seleção do conhecimento científico como mais válida deu-se num tempo histórico-social e portanto parte de uma escolha, de uma elite dominante à época.
“Quando, constantemente, melhoramos o conhecimento científico da origem, das funções e da evolução do universo e da vida, estamos fornecendo à humanidade uma abordagem conceitual e prática que influencia profundamente sua conduta e seus prospectos”. (UNESCO. Declaração sobre a ciência e o uso do conhecimento científico. Disponível em:. Acesso em: 24 jan. 2005.) Exatamente, estamos fornecendo UMA ABORDAGEM e não a única e mais ou menos válida.
Percebo o conhecimento científico como uma das abordagens possíveis, mas não a única que leva ao saber. Numa sociedade, num mundo plural, o saber é concretizado e feito de acordo com os diversos tipos de conhecimento (ou abordagens) que essa sociedade é capaz de produzir em determinado momento histórico.
Essa visão do domínio do conhecimento científico leva à aceitação quase que incontestável da apropriação do conhecimento por determinados grupos e, mais perigoso ainda, justifica sua mercantilização. “Há necessidade de um forte e esclarecedor debate democrático sobre o uso do conhecimento científico”. (...)“Para que a participação da ciência aumente no sentido de se construir um mundo mais justo, mais próspero e mais sustentável, há a necessidade de um compromisso, no longo prazo, de todos os interessados públicos e privados. Esse compromisso se afirmaria por meio de um maior investimento, de uma revisão das prioridades do investimento e da participação do conhecimento científico”. (UNESCO. Declaração sobre a ciência e o uso do conhecimento científico. Disponível em:. Acesso em: 24 jan. 2005.) Mais do que isso, há a necessidade de se repensar a validação do conhecimento científico e do método científico como os mais eficazes para a construção do saber coletivo. Há que se revisar esse domínio e a validação das construções sociais e individuais como saberes ou não. A partilha do conhecimento só existirá se isso for levado em conta.
“Que os sistemas de conhecimentos locais e tradicionais como as expressões dinâmicas de percepção e compreensão do mundo podem dar, e historicamente têm dado, uma contribuição valiosa para a ciência e para a tecnologia, e que há uma necessidade de preservar, proteger, pesquisar e promover essa herança cultural e o conhecimento empírico” (DECLARAÇÃO sobre a ciência e o uso do conhecimento científico: considerações. [S.l.: s.n].). Na verdade isso precisa ser repensado, é preciso haver uma mudança de valores: a ciência é quem deve contribuir com os sistemas de conhecimento locais e tradicionais.
“Da mesma forma que o conhecimento se tornou um fator crucial na produção de riqueza, sua distribuição também se tornou mais injusta. O que distingue o pobre do rico – sejam pessoas ou países – não é somente a quantidade de recursos. A questão é que os pobres são largamente excluídos da criação e dos benefícios do conhecimento científico”. (UNESCO. Declaração sobre a ciência e o uso do conhecimento científico. Disponível em:. Acesso em: 24 jan. 2005.) Certamente, como todos os aspectos da cultura humana, o conhecimento científico não poderia deixar de ser distribuído de maneira desigual pelo mundo. Relação humana é relação de poder, assim, os aspectos culturais, certamente, também o serão. No momento em que unimos isso à mercantilização acelerada dessas relações, perceberemos que quaisquer aspectos validados socialmente serão fonte de exclusão. Assim, a questão é bem mais ampla do que a colocada pelo documento. A questão é que os pobres são largamento excluídos do processo de elaboração e validação do saber. O princípio do conhecimento e da metodologia científicos são excludentes, uma vez que, por exemplo, não validam o saber popular como saber, já que não tem como base a metodologia científica. Então, para mudarmos essa situação muito bem pontuada pela ONU em seu documento, é preciso urgentemente mudar a visão que temos sobre o conhecimento científico e, portanto, seu papel na sociedade em que vivemos.
“Ainda que suas tradições sejam singulares a ciência não deve ser considerada um fenômeno histórico particular nem um agente de mudança social completamente autônomo”. (material didático, módulo 1, unidade 3, ítem 3.3 “Autonomia da ciência”). Penso que nada que é produto da sociedade é autônomo, tudo é sistêmico no mundo, inclusive nossa existência. Nesse sentido, questiono o que é colocado pelo material do curso, sobre o saber representar “o recorte dado pela ciência no conhecimento”.
Nenhum desses argumentos e reflexões invalida ou tem o objetivo de invalidar o valor do conhecimento científico para a humanidade, nossas vidas e nosso dia-a-dia. Pretendo apenas questionar o papel que possui e o lugar de destaque que lhe é conferido na validação do que é saber e de qual conhecimento deve ter o título de saber e, portanto, a necessidade de ser transmitido e debatido coletivamente.
A unidade 1 nos traz um dado valioso sobre isso. Tudo é significação e representação. Nosso cérebro representa e significa no momento em que é acionado, portanto, por meio das sensações percebe, interpreta e formula. Assim, todo o processo que dependa do cérebro humano não tem como ser objetivo. Essa objetividade pregada pelo pensamento científico/positivista não existe, pelo menos não da maneira neutra que se pretende.
É perfeito o argumento de que o conhecimento é mutável o tempo todo, de que é efêmero, já que “as verdades são raras”, a única coisa é que, embora fique claro que o próprio conhecimento científico é uma busca sujeita aos contextos históricos, culturais e ferramentais; não se questiona o método. Ou seja, sabe-se que a verdade é rara e que as teorias serão constantemente alteradas, mas presume-se que o caminho que se está percorrendo é o mais correto, eficaz e eficiente para se alcançar essa verdade rara. E isso é amplamente questionável.
Podemos ir além e questionar inclusive a existência da verdade ou das verdades, será que as verdades são raras ou simplesmente não existem, uma vez que são sempre construções e significações humanas? Será que existem sim, mas sem esse caráter místico, universal e absoluto que a ciência lhes confere? Podemos também questionar a existência do real... Mas isso já é campo daquilo que se chamou de conhecimento filosófico, não?...
Será o conhecimento científico o único fruto do pensar racional, ou a única metodologia possível para a razão?
Mais uma vez pontuo aqui que não pretendo invalidar o conhecimento e a metodologia científica, mas apenas questionar seu campo de interferência e atuação. Fico pensando que como cientistas precisamos ter a consciência de que em todo o “saber” estão todas as modalidades de conhecimento possíveis e essas são tantas quantas o número de indivíduos que existem, já que estamos todos embrenhados num mesmo sistema de códigos, decodificações, significações e culturas. Como cientistas, precisamos sempre nos responder uma questão muito primordial em minha opinião: fazemos ciência para que? Por que? Será que a ciência atualmente não tem buscado mostrar uma superioridade do homem sobre a natureza? Será que não é uma questão de ego? Por que os diversos conhecimentos não podem subsistir no mesmo plano, na mesma esfera e não com territórios tão demarcados como acontece na academia hoje?
Somos produtos e produtores. “Em 1687, o inglês Isaac Newton obteve uma fórmula descrevendo como dois corpos se atraem, com uma força proporcional ao produto de suas massas e inversamente proporcional ao quadrado de sua distância. Mas ele não saberia dizer por que as duas massas se atraem. Em 1915, Albert Einstein propôs a sua teoria da gravitação, onde essa atração se deve à curvatura do espaço em torno das massas. Porém, ele também não saberia explicar por que a presença de uma massa encurva a geometria do espaço à sua volta. A ciência explica o como, não o porquê”. (GLEISER, Marcelo. O 'porquê' e o 'como'. Folha de São Paulo, São Paulo, [200-].) Podemos entender que o conhecimento científico é, portanto, uma questão de fé. Sabemos da existência de verdades ou acreditamos que elas existam e que temos um método para atingí-la? Existem valores universais ou temos uma visão etnocêntrica do universo? Max Weber, no texto “A ciência como vocação”, fala sobre a ciência ser uma questão de fé assim como a religião...
“Toda a reflexão científica, seja ela sobre a comunicação social ou qualquer outro fenômeno, é um processo histórico. Isso quer dizer que precisa ser entendida e analisada levando-se em conta o contexto social no qual se inseria quando de sua produção, um recorte sempre em tempo e espaço”. (Rafael Gioielli - O MAL-ESTAR COMO TEXTO EM CONTEXTO : A COMUNICAÇÃO E O MAL-ESTAR NA MODERNIDADE. P. 1)
Nesse sentido, será que a educação deveria se ater a lidar apenas com o conhecimento científico? Será que ela já não lida com outras formas de conhecimento, mas sem “dizer” isso?
Bem, mas isso a gente deixa para as próximas intervenções!
Enquanto estava inquieta sem ter claros os meus questionamentos com a leitura do módulo, reli esse conto do livro "Primeiras estórias" de Guimarães Rosa e achei que se encaixou como uma luva para esses questionamentos que coloquei. Segue o conto "Espelho" para auxiliar na compreesnão do que quero dizer aí em cima.
ESPELHO
Se quer seguir-me, narro-lhe; não uma aventura, mas experiência, a que me induziram, alternadamente, séries de raciocínios e intuições. Tomou-me tempo, desânimos, esforços. Dela me prezo, sem vangloriar-me. Surpreendo-me, porém, um tanto à-parte de todos, penetrando conhecimento que os outros ainda ignoram. O senhor, por exemplo, que sabe e estuda, suponho nem tenha idéia do que seja na verdade — um espelho? Demais, decerto, das noções de física, com que se familiarizou, as leis da óptica. Reporto-me ao transcendente. Tudo, aliás, é a ponta de um mistério. Inclusive, os fatos. Ou a ausência deles. Duvida? Quando nada acontece, há um milagre que não estamos vendo.
Fixemo-nos no concreto. O espelho, são muitos, captando-lhe as feições; todos refletem-lhe o rosto, e o senhor crê-se com aspecto próprio e praticamente imudado, do qual lhe dão imagem fiel. Mas — que espelho? Há-os «bons» e «maus», os que favorecem e os que detraem; e os que são apenas honestos, pois não. E onde situar o nível e ponto dessa honestidade ou fidedignidade? Como é que o senhor, eu, os restantes próximos, somos, no visível? O senhor dirá: as fotografias o comprovam. Respondo: que, além de prevalecerem para as lentes das máquinas objeções análogas, seus resultados apóiam antes que desmentem a minha tese, tanto revelam superporem-se aos dados iconográficos os índices do misterioso. Ainda que tirados de imediato um após outro, os retratos sempre serão entre si muito diferentes. Se nunca atentou nisso, é porque vivemos, de modo incorrigível, distraídos das coisas mais importantes. E as máscaras, moldadas nos rostos? Valem, grosso modo, para o falquejo das formas, não para o explodir da expressão, o dinamismo fisionômico. Não se esqueça, é de fenômenos sutis que estamos tratando.
Resta-lhe argumento: qualquer pessoa pode, a um tempo, ver o rosto de outra e sua reflexão no espelho. Sem sofisma, refuto-o. O experimento, por sinal ainda não realizado com rigor, careceria de valor científico, em vista das irredutíveis deformações, de ordem psicológica. Tente, aliás, fazê-lo, e terá notáveis surpresas. Além de que a simultaneidade torna-se impossível, no fluir de valores instantâneos. Ah, o tempo é o mágico de todas as traições... E os próprios olhos, de cada um de nós, padecem viciação de origem, defeitos com que cresceram e a que se afizeram, mais e mais. Por começo, a criancinha vê os objetos invertidos, daí seu desajeitado tactear; só a pouco e pouco é que consegue retificar, sobre a postura dos volumes externos, uma precária visão. Subsistem, porém, outras pechas, e mais graves. Os olhos, por enquanto, são a porta do engano; duvide deles, dos seus, não de mim. Ah, meu amigo, a espécie humana peleja para impor ao latejante mundo um pouco de rotina e lógica, mas algo ou alguém de tudo faz frincha para rir-se da gente... E então?
Note que meus reparos limitam-se ao capítulo dos espelhos planos, de uso comum. E os demais — côncavos, convexos, parabólicos — além da possibilidade de outros, não descobertos, apenas, ainda? Um espelho, por exemplo, tetra ou quadridimensional? Parece-me não absurda, a hipótese. Matemáticos especializados, depois de mental adestramento, vieram a construir objetos a quatro dimensões, para isso utilizando pequenos cubos, de várias cores, como esses com que os meninos brincam. Duvida?
Vejo que começa a descontar um pouco de sua inicial desconfiança, quanto ao meu são juízo. Fiquemos, porém, no terra-a-terra. Rimo-nos, nas barracas de diversões, daqueles caricatos espelhos, que nos reduzem a mostrengos, esticados ou globosos. Mas, se só usamos os planos — e nas curvas de um bule tem-se sofrível espelho convexo, e numa colher brunida um côncavo razoável — deve-se a que primeiro a humanidade mirou-se nas superfícies de água quieta, lagoas, lameiros, fontes, delas aprendendo a fazer tais utensílios de metal ou cristal. Tirésias, contudo, já havia predito ao belo Narciso que ele viveria apenas enquanto a si mesmo não se visse... Sim, são para se ter medo, os espelhos.
Temi-os, desde menino, por instintiva suspeita. Também os animais negam-se a encará-los, salvo as críveis excepções. Sou do interior, o senhor também; na nossa terra, diz-se que nunca se deve olhar em espelho às horas mortas da noite, estando-se sozinho. Porque, neles, às vezes, em lugar de nossa imagem, assombra-nos alguma outra e medonha visão. Sou, porém, positivo, um racional, piso o chão a pés e patas. Satisfazer-me com fantásticas não-explicações? — jamais. Que amedrontadora visão seria então aquela? Quem o Monstro?
Sendo talvez meu medo a revivescência de impressões atávicas? O espelho inspirava receio supersticioso aos primitivos, aqueles povos com a idéia de que o reflexo de uma pessoa fosse a alma. Via de regra, sabe-o o senhor, é a superstição fecundo ponto de partida para a pesquisa. A alma do espelho — anote-a — esplêndida metáfora. Outros, aliás, identificavam a alma com a sombra do corpo; e não lhe terá escapado a polarização: luz—treva. Não se costumava tapar os espelhos, ou voltá-los contra a parede, quando morria alguém da casa? Se, além de os utilizarem nos manejos da magia, imitativa ou simpática, videntes serviam-se deles, como da bola de cristal, vislumbrando em seu campo esboços de futuros fatos, não será porque, através dos espelhos, parece que o tempo muda de direção e de velocidade? Alongo-me, porém. Contava-lhe...
— Foi num lavatório de edifício público, por acaso. Eu era moço, comigo contente, vaidoso. Descuidado, avistei... Explico-lhe: dois espelhos — um de parede, o outro de porta lateral, aberta em ângulo propício — faziam jogo. E o que enxerguei, por instante, foi uma figura, perfil humano, desagradável ao derradeiro grau, repulsivo senão hediondo. Deu-me náusea, aquele homem, causava-me ódio e susto, eriçamento, espavor. E era — logo descobri... era eu, mesmo! O senhor acha que eu algum dia ia esquecer essa revelação?
Desde aí, comecei a procurar-me — ao eu por detrás de mim — à tona dos espelhos, em sua lisa, funda lâmina, em seu lume frio. Isso, que se saiba, antes ninguém tentara. Quem se olha em espelho, o faz partindo de preconceito afetivo, de um mais ou menos falaz pressuposto: ninguém se acha na verdade feio: quando muito, em certos momentos, desgostamo-nos por provisoriamente discrepantes de um ideal estético já aceito. Sou claro? O que se busca, então, é verificar, acertar, trabalhar um modelo subjetivo, preexistente; enfim, ampliar o ilusório, mediante sucessivas novas capas de ilusão. Eu, porém, era um perquiridor imparcial, neutro absolutamente. O caçador de meu próprio aspecto formal, movido por curiosidade, quando não impessoal, desinteressada; para não dizer o urgir científico. Levei meses.
Sim, instrutivos. Operava com toda a sorte de astúcias: o rapidíssimo relance, os golpes de esguelha, a longa obliqüidade apurada, as contra-surpresas, a finta de pálpebras, a tocaia com a luz de-repente acesa, os ângulos variados incessantemente. Sobretudo, uma inembotável paciência. Mirava-me, também, em marcados momentos — de ira, medo, orgulho abatido ou dilatado, extrema alegria ou tristeza. Sobreabriam-se-me enigmas. Se, por exemplo, em estado de ódio, o senhor enfrenta objetivamente a sua imagem, o ódio reflui e recrudesce, em tremendas multiplicações: e o senhor vê, então, que, de fato, só se odeia é a si mesmo. Olhos contra os olhos. Soube-o: os olhos da gente não têm fim. Só eles paravam imutáveis, no centro do segredo. Se é que de mim não zombassem, para lá de uma máscara. Porque, o resto, o rosto, mudava permanentemente. O senhor, como os demais, não vê que seu rosto é apenas um movimento deceptivo, constante. Não vê, porque mal advertido, avezado; diria eu: ainda adormecido, sem desenvolver sequer as mais necessárias novas percepções. Não vê, como também não se vêem, no comum, os movimentos translativo e rotatório deste planeta Terra, sobre que os seus e os meus pés assentam. Se quiser, não me desculpe; mas o senhor me compreende.
Sendo assim, necessitava eu de transverberar o embuço, a travisagem daquela máscara, a fito de devassar o núcleo dessa nebulosa — a minha vera forma. Tinha de haver um jeito. Meditei-o. Assistiram-me seguras inspirações.
Concluí que, interpenetrando-se no disfarce do rosto externo diversas componentes, meu problema seria o de submetê-las a um bloqueio “visual” ou anulamento perceptivo, a suspensão de uma por uma, desde as mais rudimentares, grosseiras, ou de inferior significado. Tomei o elemento animal, para começo.
Parecer-se cada um de nós com determinado bicho, relembrar seu facies, é fato. Constato-o, apenas; longe de mim puxar à bimbalha temas de metempsicose ou teorias biogenéticas. De um mestre, aliás, na ciência de Lavater, eu me inteirara no assunto. Que acha? Com caras e cabeças ovinas ou eqüinas, por exemplo, basta-lhe relancear a multidão ou atentar nos conhecidos, para reconhecer que os há, muitos. Meu sósia inferior na escala era, porém — a onça. Confirmei-me disso. E, então, eu teria que, após dissociá-los meticulosamente, aprender a não ver, no espelho, os traços que em mim recordavam o grande felino. Atirei-me a tanto.
Releve-me não detalhar o método ou métodos de que me vali, e que revezavam a mais buscante análise e o estrênuo vigor de abstração. Mesmo as etapas preparatórias dariam para aterrar a quem menos pronto ao árduo. Como todo homem culto, o senhor não desconhece a Ioga, e já a terá praticado, quando não seja, em suas mais elementares técnicas. E, os “exercícios espirituais” dos jesuítas, sei de filósofos e pensadores incréus que os cultivam, para aprofundarem-se na capacidade de concentração, de par com a imaginação criadora... Enfim, não lhe oculto haver recorrido a meios um tanto empíricos: gradações de luzes, lâmpadas coloridas, pomadas fosforescentes na obscuridade. Só a uma expediência me recusei, por medíocre senão falseadora, a de empregar outras substâncias no aço e estanhagem dos espelhos. Mas, era principalmente no modus de focar, na visão parcialmente alheada, que eu tinha de agilitar-me: olhar não-vendo.. Sem ver o que, em meu rosto, não passava de reliquat bestial. Ia-o conseguindo?
Saiba que eu perseguia uma realidade experimental, não uma hipótese imaginária. E digo-lhe que nessa operação fazia reais progressos. Pouco a pouco, no campo-de-vista do espelho, minha figura reproduzia-se-me lacunar, com atenuadas, quase apagadas de todo, aquelas partes excrescentes. Prossegui. Já aí, porém, decidindo-me a tratar simultaneamente as outras componentes, contingentes e ilusivas. Assim, o elemento hereditário — as parecenças com os pais e avós — que são também, nos nossos rostos, um lastro evolutivo residual. Ah, meu amigo, nem no ovo o pinto está intacto. E, em seguida, o que se deveria ao contágio das paixões, manifestadas ou latentes, o que ressaltava das desordenadas pressões psicológicas transitórias. E, ainda, o que, em nossas caras, materializa idéias e sugestões de outrem; e os efêmeros interesses, sem seqüência nem antecedência, sem conexões nem fundura. Careceríamos de dias, para explicar-lhe. Prefiro que tome minhas afirmações por seu valor nominal.
À medida que trabalhava com maior mestria, no excluir, abstrair e abstrar, meu esquema perspectivo clivava-se, em forma meândrica, a modos de couve-flor ou bucho de boi, e em mosaicos, e francamente cavernoso, como uma esponja. E escurecia-se. Por aí, não obstante os cuidados com a saúde, comecei a sofrer dores de cabeça. Será que me acovardei, sem menos? Perdoe-me, o senhor, o constrangimento, ao ter de mudar de tom para confidência tão humana, em nota de fraqueza inesperada e indigna. Lembre-se, porém, de Terêncio. Sim, os antigos; acudiu-me que representavam justamente com um espelho, rodeado de uma serpente, a Prudência, como divindade alegórica. De golpe, abandonei a investigação. Deixei, mesmo, por meses, de me olhar em qualquer espelho.
Mas, com o comum correr quotidiano, a gente se aquieta, esquece-se de muito. O tempo, em longo trecho, é sempre tranqüilo. E pode ser, não menos, que encoberta curiosidade me picasse. Um dia... Desculpe-me, não viso a efeitos de ficcionista, inflectindo de propósito, em agudo, as situações. Simplesmente lhe digo que me olhei num espelho e não me vi. Não vi nada. Só o campo, liso, às vácuas, aberto como o sol, água limpíssima, à dispersão da luz, tapadamente tudo. Eu não tinha formas, rosto? Apalpei-me, em muito. Mas, o invisto. O ficto. O sem evidência física. Eu era — o transparente contemplador?... Tirei-me. Aturdi-me, a ponto de me deixar cair numa poltrona.
Com que, então, durante aqueles meses de repouso, a faculdade, antes buscada, por si em mim se exercitara! Para sempre? Voltei a querer encarar-me. Nada. E, o que tomadamente me estarreceu: eu não via os meus olhos. No brilhante e polido nada, não se me espelhavam nem eles!
Tanto dito que, partindo para uma figura gradualmente simplificada, despojara-me, ao termo, até à total desfigura. E a terrível conclusão: não haveria em mim uma existência central, pessoal, autônoma? Seria eu um... desalmado? Então, o que se me fingia de um suposto eu, não era mais que, sobre a persistência do animal, um pouco de herança, de soltos instintos, energia passional estranha, um entrecruzar-se de influências, e tudo o mais que na impermanência se indefine? Diziam-me isso os raios luminosos e a face vazia do espelho — com rigorosa infidelidade. E, seria assim, com todos? Seríamos não muito mais que as crianças — o espírito do viver não passando de ímpetos espasmódicos, relampejados entre miragens: a esperança e a memória.
Mas, o senhor estará achando que desvario e desoriento-me, confundindo o físico, o hiperfísico e o transfísico, fora do menor equilíbrio de raciocínio ou alinhamento lógico — na conta agora caio. Estará pensando que, do que eu disse, nada se acerta, nada prova nada. Mesmo que tudo fosse verdade, não seria mais que reles obsessão auto-sugestiva, e o despropósito de pretender que psiquismo ou alma se retratassem em espelho...
Dou-lhe razão. Há, porém, que sou um mau contador, precipitando-me às ilações antes dos fatos, e, pois: pondo os bois atrás do carro e os chifres depois dos bois. Releve-me. E deixe que o final de meu capítulo traga luzes ao até agora aventado, canhestra e antecipadamente.
São sucessos muito de ordem íntima, de caráter assaz esquisito. Narro-os, sob palavra, sob segredo. Pejo-me. Tenho de demais resumi-los.
Pois foi que, mais tarde, anos, ao fim de uma ocasião de sofrimentos grandes, de novo me defrontei — não rosto a rosto. O espelho mostrou-me. Ouça. Por um certo tempo, nada enxerguei. Só então, só depois: o tênue começo de um quanto como uma luz, que se nublava, aos poucos tentando-se em débil cintilação, radiância. Seu mínimo ondear comovia-me, ou já estaria contido em minha emoção? Que luzinha, aquela, que de mim se emitia, para deter-se acolá, refletida, surpresa? Se quiser, infira o senhor mesmo.
São coisas que se não devem entrever; pelo menos, além de um tanto. São outras coisas, conforme pude distinguir, muito mais tarde — por último — num espelho. Por aí, perdoe-me o detalhe, eu já amava — já aprendendo, isto seja, a conformidade e a alegria. E... Sim, vi, a mim mesmo, de novo, meu rosto, um rosto; não este, que o senhor razoavelmente me atribui. Mas o ainda-nem-rosto — quase delineado, apenas — mal emergindo, qual uma flor pelágica, de nascimento abissal... E era não mais que: rostinho de menino, de menos-que-menino, só. Só. Será que o senhor nunca compreenderá?
Devia ou não devia contar-lhe, por motivos de talvez. Do que digo, descubro, deduzo. Será, se? Apalpo o evidente? Tresbusco. Será este nosso desengonço e mundo o plano — intersecção de planos — onde se completam de fazer as almas?
Se sim, a “vida” consiste em experiência extrema e séria; sua técnica — ou pelo menos parte — exigindo o consciente alijamento, o despojamento, de tudo o que obstrui o crescer da alma, o que a atulha e soterra? Depois, o “salto mortale”... — digo-o, do jeito, não porque os acrobatas italianos o aviventaram, mas por precisarem de toque e timbre novos as comuns expressões, amortecidas... E o julgamento-problema, podendo sobrevir com a simples pergunta: — ”Você chegou a existir?”
Sim? Mas, então, está irremediavelmente destruída a concepção de vivermos em agradável acaso, sem razão nenhuma, num vale de bobagens? Disse. Se me permite, espero, agora, sua opinião, mesma, do senhor, sobre tanto assunto. Solicito os reparos que se digne dar-me, a mim, servo do senhor, recente amigo, mas companheiro no amor da ciência, de seus transviados acertos e de seus esbarros titubeados. Sim?
Queridas e queridos,
boa tarde!
Bem, demorei para me pronunciar, pois estava tentando ler mais para colocar algumas inquietações que surgiram durante a leitura dos textos. Ainda não terminei a leitura de todo o módulo (falta a unidade 4), mas gostaria de trazer algumas coisas para refletirmos.
Minha inquietação com o material apresentado, assim como ocorreu durante a universidade, foi o fato de o conhecimento científico positivista ser visto como a metodologia mais correta e válida com relação à busca da verdade, mas creio que todas as formas de investigação são válidas. A seleção do conhecimento científico como mais válida deu-se num tempo histórico-social e portanto parte de uma escolha, de uma elite dominante à época.
“Quando, constantemente, melhoramos o conhecimento científico da origem, das funções e da evolução do universo e da vida, estamos fornecendo à humanidade uma abordagem conceitual e prática que influencia profundamente sua conduta e seus prospectos”. (UNESCO. Declaração sobre a ciência e o uso do conhecimento científico. Disponível em:
Percebo o conhecimento científico como uma das abordagens possíveis, mas não a única que leva ao saber. Numa sociedade, num mundo plural, o saber é concretizado e feito de acordo com os diversos tipos de conhecimento (ou abordagens) que essa sociedade é capaz de produzir em determinado momento histórico.
Essa visão do domínio do conhecimento científico leva à aceitação quase que incontestável da apropriação do conhecimento por determinados grupos e, mais perigoso ainda, justifica sua mercantilização. “Há necessidade de um forte e esclarecedor debate democrático sobre o uso do conhecimento científico”. (...)“Para que a participação da ciência aumente no sentido de se construir um mundo mais justo, mais próspero e mais sustentável, há a necessidade de um compromisso, no longo prazo, de todos os interessados públicos e privados. Esse compromisso se afirmaria por meio de um maior investimento, de uma revisão das prioridades do investimento e da participação do conhecimento científico”. (UNESCO. Declaração sobre a ciência e o uso do conhecimento científico. Disponível em:
“Que os sistemas de conhecimentos locais e tradicionais como as expressões dinâmicas de percepção e compreensão do mundo podem dar, e historicamente têm dado, uma contribuição valiosa para a ciência e para a tecnologia, e que há uma necessidade de preservar, proteger, pesquisar e promover essa herança cultural e o conhecimento empírico” (DECLARAÇÃO sobre a ciência e o uso do conhecimento científico: considerações. [S.l.: s.n].). Na verdade isso precisa ser repensado, é preciso haver uma mudança de valores: a ciência é quem deve contribuir com os sistemas de conhecimento locais e tradicionais.
“Da mesma forma que o conhecimento se tornou um fator crucial na produção de riqueza, sua distribuição também se tornou mais injusta. O que distingue o pobre do rico – sejam pessoas ou países – não é somente a quantidade de recursos. A questão é que os pobres são largamente excluídos da criação e dos benefícios do conhecimento científico”. (UNESCO. Declaração sobre a ciência e o uso do conhecimento científico. Disponível em:
“Ainda que suas tradições sejam singulares a ciência não deve ser considerada um fenômeno histórico particular nem um agente de mudança social completamente autônomo”. (material didático, módulo 1, unidade 3, ítem 3.3 “Autonomia da ciência”). Penso que nada que é produto da sociedade é autônomo, tudo é sistêmico no mundo, inclusive nossa existência. Nesse sentido, questiono o que é colocado pelo material do curso, sobre o saber representar “o recorte dado pela ciência no conhecimento”.
Nenhum desses argumentos e reflexões invalida ou tem o objetivo de invalidar o valor do conhecimento científico para a humanidade, nossas vidas e nosso dia-a-dia. Pretendo apenas questionar o papel que possui e o lugar de destaque que lhe é conferido na validação do que é saber e de qual conhecimento deve ter o título de saber e, portanto, a necessidade de ser transmitido e debatido coletivamente.
A unidade 1 nos traz um dado valioso sobre isso. Tudo é significação e representação. Nosso cérebro representa e significa no momento em que é acionado, portanto, por meio das sensações percebe, interpreta e formula. Assim, todo o processo que dependa do cérebro humano não tem como ser objetivo. Essa objetividade pregada pelo pensamento científico/positivista não existe, pelo menos não da maneira neutra que se pretende.
É perfeito o argumento de que o conhecimento é mutável o tempo todo, de que é efêmero, já que “as verdades são raras”, a única coisa é que, embora fique claro que o próprio conhecimento científico é uma busca sujeita aos contextos históricos, culturais e ferramentais; não se questiona o método. Ou seja, sabe-se que a verdade é rara e que as teorias serão constantemente alteradas, mas presume-se que o caminho que se está percorrendo é o mais correto, eficaz e eficiente para se alcançar essa verdade rara. E isso é amplamente questionável.
Podemos ir além e questionar inclusive a existência da verdade ou das verdades, será que as verdades são raras ou simplesmente não existem, uma vez que são sempre construções e significações humanas? Será que existem sim, mas sem esse caráter místico, universal e absoluto que a ciência lhes confere? Podemos também questionar a existência do real... Mas isso já é campo daquilo que se chamou de conhecimento filosófico, não?...
Será o conhecimento científico o único fruto do pensar racional, ou a única metodologia possível para a razão?
Mais uma vez pontuo aqui que não pretendo invalidar o conhecimento e a metodologia científica, mas apenas questionar seu campo de interferência e atuação. Fico pensando que como cientistas precisamos ter a consciência de que em todo o “saber” estão todas as modalidades de conhecimento possíveis e essas são tantas quantas o número de indivíduos que existem, já que estamos todos embrenhados num mesmo sistema de códigos, decodificações, significações e culturas. Como cientistas, precisamos sempre nos responder uma questão muito primordial em minha opinião: fazemos ciência para que? Por que? Será que a ciência atualmente não tem buscado mostrar uma superioridade do homem sobre a natureza? Será que não é uma questão de ego? Por que os diversos conhecimentos não podem subsistir no mesmo plano, na mesma esfera e não com territórios tão demarcados como acontece na academia hoje?
Somos produtos e produtores. “Em 1687, o inglês Isaac Newton obteve uma fórmula descrevendo como dois corpos se atraem, com uma força proporcional ao produto de suas massas e inversamente proporcional ao quadrado de sua distância. Mas ele não saberia dizer por que as duas massas se atraem. Em 1915, Albert Einstein propôs a sua teoria da gravitação, onde essa atração se deve à curvatura do espaço em torno das massas. Porém, ele também não saberia explicar por que a presença de uma massa encurva a geometria do espaço à sua volta. A ciência explica o como, não o porquê”. (GLEISER, Marcelo. O 'porquê' e o 'como'. Folha de São Paulo, São Paulo, [200-].) Podemos entender que o conhecimento científico é, portanto, uma questão de fé. Sabemos da existência de verdades ou acreditamos que elas existam e que temos um método para atingí-la? Existem valores universais ou temos uma visão etnocêntrica do universo? Max Weber, no texto “A ciência como vocação”, fala sobre a ciência ser uma questão de fé assim como a religião...
“Toda a reflexão científica, seja ela sobre a comunicação social ou qualquer outro fenômeno, é um processo histórico. Isso quer dizer que precisa ser entendida e analisada levando-se em conta o contexto social no qual se inseria quando de sua produção, um recorte sempre em tempo e espaço”. (Rafael Gioielli - O MAL-ESTAR COMO TEXTO EM CONTEXTO : A COMUNICAÇÃO E O MAL-ESTAR NA MODERNIDADE. P. 1)
Nesse sentido, será que a educação deveria se ater a lidar apenas com o conhecimento científico? Será que ela já não lida com outras formas de conhecimento, mas sem “dizer” isso?
Bem, mas isso a gente deixa para as próximas intervenções!
Enquanto estava inquieta sem ter claros os meus questionamentos com a leitura do módulo, reli esse conto do livro "Primeiras estórias" de Guimarães Rosa e achei que se encaixou como uma luva para esses questionamentos que coloquei. Segue o conto "Espelho" para auxiliar na compreesnão do que quero dizer aí em cima.
Se quer seguir-me, narro-lhe; não uma aventura, mas experiência, a que me induziram, alternadamente, séries de raciocínios e intuições. Tomou-me tempo, desânimos, esforços. Dela me prezo, sem vangloriar-me. Surpreendo-me, porém, um tanto à-parte de todos, penetrando conhecimento que os outros ainda ignoram. O senhor, por exemplo, que sabe e estuda, suponho nem tenha idéia do que seja na verdade — um espelho? Demais, decerto, das noções de física, com que se familiarizou, as leis da óptica. Reporto-me ao transcendente. Tudo, aliás, é a ponta de um mistério. Inclusive, os fatos. Ou a ausência deles. Duvida? Quando nada acontece, há um milagre que não estamos vendo.
Fixemo-nos no concreto. O espelho, são muitos, captando-lhe as feições; todos refletem-lhe o rosto, e o senhor crê-se com aspecto próprio e praticamente imudado, do qual lhe dão imagem fiel. Mas — que espelho? Há-os «bons» e «maus», os que favorecem e os que detraem; e os que são apenas honestos, pois não. E onde situar o nível e ponto dessa honestidade ou fidedignidade? Como é que o senhor, eu, os restantes próximos, somos, no visível? O senhor dirá: as fotografias o comprovam. Respondo: que, além de prevalecerem para as lentes das máquinas objeções análogas, seus resultados apóiam antes que desmentem a minha tese, tanto revelam superporem-se aos dados iconográficos os índices do misterioso. Ainda que tirados de imediato um após outro, os retratos sempre serão entre si muito diferentes. Se nunca atentou nisso, é porque vivemos, de modo incorrigível, distraídos das coisas mais importantes. E as máscaras, moldadas nos rostos? Valem, grosso modo, para o falquejo das formas, não para o explodir da expressão, o dinamismo fisionômico. Não se esqueça, é de fenômenos sutis que estamos tratando.
Resta-lhe argumento: qualquer pessoa pode, a um tempo, ver o rosto de outra e sua reflexão no espelho. Sem sofisma, refuto-o. O experimento, por sinal ainda não realizado com rigor, careceria de valor científico, em vista das irredutíveis deformações, de ordem psicológica. Tente, aliás, fazê-lo, e terá notáveis surpresas. Além de que a simultaneidade torna-se impossível, no fluir de valores instantâneos. Ah, o tempo é o mágico de todas as traições... E os próprios olhos, de cada um de nós, padecem viciação de origem, defeitos com que cresceram e a que se afizeram, mais e mais. Por começo, a criancinha vê os objetos invertidos, daí seu desajeitado tactear; só a pouco e pouco é que consegue retificar, sobre a postura dos volumes externos, uma precária visão. Subsistem, porém, outras pechas, e mais graves. Os olhos, por enquanto, são a porta do engano; duvide deles, dos seus, não de mim. Ah, meu amigo, a espécie humana peleja para impor ao latejante mundo um pouco de rotina e lógica, mas algo ou alguém de tudo faz frincha para rir-se da gente... E então?
Note que meus reparos limitam-se ao capítulo dos espelhos planos, de uso comum. E os demais — côncavos, convexos, parabólicos — além da possibilidade de outros, não descobertos, apenas, ainda? Um espelho, por exemplo, tetra ou quadridimensional? Parece-me não absurda, a hipótese. Matemáticos especializados, depois de mental adestramento, vieram a construir objetos a quatro dimensões, para isso utilizando pequenos cubos, de várias cores, como esses com que os meninos brincam. Duvida?
Vejo que começa a descontar um pouco de sua inicial desconfiança, quanto ao meu são juízo. Fiquemos, porém, no terra-a-terra. Rimo-nos, nas barracas de diversões, daqueles caricatos espelhos, que nos reduzem a mostrengos, esticados ou globosos. Mas, se só usamos os planos — e nas curvas de um bule tem-se sofrível espelho convexo, e numa colher brunida um côncavo razoável — deve-se a que primeiro a humanidade mirou-se nas superfícies de água quieta, lagoas, lameiros, fontes, delas aprendendo a fazer tais utensílios de metal ou cristal. Tirésias, contudo, já havia predito ao belo Narciso que ele viveria apenas enquanto a si mesmo não se visse... Sim, são para se ter medo, os espelhos.
Temi-os, desde menino, por instintiva suspeita. Também os animais negam-se a encará-los, salvo as críveis excepções. Sou do interior, o senhor também; na nossa terra, diz-se que nunca se deve olhar em espelho às horas mortas da noite, estando-se sozinho. Porque, neles, às vezes, em lugar de nossa imagem, assombra-nos alguma outra e medonha visão. Sou, porém, positivo, um racional, piso o chão a pés e patas. Satisfazer-me com fantásticas não-explicações? — jamais. Que amedrontadora visão seria então aquela? Quem o Monstro?
Sendo talvez meu medo a revivescência de impressões atávicas? O espelho inspirava receio supersticioso aos primitivos, aqueles povos com a idéia de que o reflexo de uma pessoa fosse a alma. Via de regra, sabe-o o senhor, é a superstição fecundo ponto de partida para a pesquisa. A alma do espelho — anote-a — esplêndida metáfora. Outros, aliás, identificavam a alma com a sombra do corpo; e não lhe terá escapado a polarização: luz—treva. Não se costumava tapar os espelhos, ou voltá-los contra a parede, quando morria alguém da casa? Se, além de os utilizarem nos manejos da magia, imitativa ou simpática, videntes serviam-se deles, como da bola de cristal, vislumbrando em seu campo esboços de futuros fatos, não será porque, através dos espelhos, parece que o tempo muda de direção e de velocidade? Alongo-me, porém. Contava-lhe...
— Foi num lavatório de edifício público, por acaso. Eu era moço, comigo contente, vaidoso. Descuidado, avistei... Explico-lhe: dois espelhos — um de parede, o outro de porta lateral, aberta em ângulo propício — faziam jogo. E o que enxerguei, por instante, foi uma figura, perfil humano, desagradável ao derradeiro grau, repulsivo senão hediondo. Deu-me náusea, aquele homem, causava-me ódio e susto, eriçamento, espavor. E era — logo descobri... era eu, mesmo! O senhor acha que eu algum dia ia esquecer essa revelação?
Desde aí, comecei a procurar-me — ao eu por detrás de mim — à tona dos espelhos, em sua lisa, funda lâmina, em seu lume frio. Isso, que se saiba, antes ninguém tentara. Quem se olha em espelho, o faz partindo de preconceito afetivo, de um mais ou menos falaz pressuposto: ninguém se acha na verdade feio: quando muito, em certos momentos, desgostamo-nos por provisoriamente discrepantes de um ideal estético já aceito. Sou claro? O que se busca, então, é verificar, acertar, trabalhar um modelo subjetivo, preexistente; enfim, ampliar o ilusório, mediante sucessivas novas capas de ilusão. Eu, porém, era um perquiridor imparcial, neutro absolutamente. O caçador de meu próprio aspecto formal, movido por curiosidade, quando não impessoal, desinteressada; para não dizer o urgir científico. Levei meses.
Sim, instrutivos. Operava com toda a sorte de astúcias: o rapidíssimo relance, os golpes de esguelha, a longa obliqüidade apurada, as contra-surpresas, a finta de pálpebras, a tocaia com a luz de-repente acesa, os ângulos variados incessantemente. Sobretudo, uma inembotável paciência. Mirava-me, também, em marcados momentos — de ira, medo, orgulho abatido ou dilatado, extrema alegria ou tristeza. Sobreabriam-se-me enigmas. Se, por exemplo, em estado de ódio, o senhor enfrenta objetivamente a sua imagem, o ódio reflui e recrudesce, em tremendas multiplicações: e o senhor vê, então, que, de fato, só se odeia é a si mesmo. Olhos contra os olhos. Soube-o: os olhos da gente não têm fim. Só eles paravam imutáveis, no centro do segredo. Se é que de mim não zombassem, para lá de uma máscara. Porque, o resto, o rosto, mudava permanentemente. O senhor, como os demais, não vê que seu rosto é apenas um movimento deceptivo, constante. Não vê, porque mal advertido, avezado; diria eu: ainda adormecido, sem desenvolver sequer as mais necessárias novas percepções. Não vê, como também não se vêem, no comum, os movimentos translativo e rotatório deste planeta Terra, sobre que os seus e os meus pés assentam. Se quiser, não me desculpe; mas o senhor me compreende.
Sendo assim, necessitava eu de transverberar o embuço, a travisagem daquela máscara, a fito de devassar o núcleo dessa nebulosa — a minha vera forma. Tinha de haver um jeito. Meditei-o. Assistiram-me seguras inspirações.
Concluí que, interpenetrando-se no disfarce do rosto externo diversas componentes, meu problema seria o de submetê-las a um bloqueio “visual” ou anulamento perceptivo, a suspensão de uma por uma, desde as mais rudimentares, grosseiras, ou de inferior significado. Tomei o elemento animal, para começo.
Parecer-se cada um de nós com determinado bicho, relembrar seu facies, é fato. Constato-o, apenas; longe de mim puxar à bimbalha temas de metempsicose ou teorias biogenéticas. De um mestre, aliás, na ciência de Lavater, eu me inteirara no assunto. Que acha? Com caras e cabeças ovinas ou eqüinas, por exemplo, basta-lhe relancear a multidão ou atentar nos conhecidos, para reconhecer que os há, muitos. Meu sósia inferior na escala era, porém — a onça. Confirmei-me disso. E, então, eu teria que, após dissociá-los meticulosamente, aprender a não ver, no espelho, os traços que em mim recordavam o grande felino. Atirei-me a tanto.
Releve-me não detalhar o método ou métodos de que me vali, e que revezavam a mais buscante análise e o estrênuo vigor de abstração. Mesmo as etapas preparatórias dariam para aterrar a quem menos pronto ao árduo. Como todo homem culto, o senhor não desconhece a Ioga, e já a terá praticado, quando não seja, em suas mais elementares técnicas. E, os “exercícios espirituais” dos jesuítas, sei de filósofos e pensadores incréus que os cultivam, para aprofundarem-se na capacidade de concentração, de par com a imaginação criadora... Enfim, não lhe oculto haver recorrido a meios um tanto empíricos: gradações de luzes, lâmpadas coloridas, pomadas fosforescentes na obscuridade. Só a uma expediência me recusei, por medíocre senão falseadora, a de empregar outras substâncias no aço e estanhagem dos espelhos. Mas, era principalmente no modus de focar, na visão parcialmente alheada, que eu tinha de agilitar-me: olhar não-vendo.. Sem ver o que, em meu rosto, não passava de reliquat bestial. Ia-o conseguindo?
Saiba que eu perseguia uma realidade experimental, não uma hipótese imaginária. E digo-lhe que nessa operação fazia reais progressos. Pouco a pouco, no campo-de-vista do espelho, minha figura reproduzia-se-me lacunar, com atenuadas, quase apagadas de todo, aquelas partes excrescentes. Prossegui. Já aí, porém, decidindo-me a tratar simultaneamente as outras componentes, contingentes e ilusivas. Assim, o elemento hereditário — as parecenças com os pais e avós — que são também, nos nossos rostos, um lastro evolutivo residual. Ah, meu amigo, nem no ovo o pinto está intacto. E, em seguida, o que se deveria ao contágio das paixões, manifestadas ou latentes, o que ressaltava das desordenadas pressões psicológicas transitórias. E, ainda, o que, em nossas caras, materializa idéias e sugestões de outrem; e os efêmeros interesses, sem seqüência nem antecedência, sem conexões nem fundura. Careceríamos de dias, para explicar-lhe. Prefiro que tome minhas afirmações por seu valor nominal.
À medida que trabalhava com maior mestria, no excluir, abstrair e abstrar, meu esquema perspectivo clivava-se, em forma meândrica, a modos de couve-flor ou bucho de boi, e em mosaicos, e francamente cavernoso, como uma esponja. E escurecia-se. Por aí, não obstante os cuidados com a saúde, comecei a sofrer dores de cabeça. Será que me acovardei, sem menos? Perdoe-me, o senhor, o constrangimento, ao ter de mudar de tom para confidência tão humana, em nota de fraqueza inesperada e indigna. Lembre-se, porém, de Terêncio. Sim, os antigos; acudiu-me que representavam justamente com um espelho, rodeado de uma serpente, a Prudência, como divindade alegórica. De golpe, abandonei a investigação. Deixei, mesmo, por meses, de me olhar em qualquer espelho.
Mas, com o comum correr quotidiano, a gente se aquieta, esquece-se de muito. O tempo, em longo trecho, é sempre tranqüilo. E pode ser, não menos, que encoberta curiosidade me picasse. Um dia... Desculpe-me, não viso a efeitos de ficcionista, inflectindo de propósito, em agudo, as situações. Simplesmente lhe digo que me olhei num espelho e não me vi. Não vi nada. Só o campo, liso, às vácuas, aberto como o sol, água limpíssima, à dispersão da luz, tapadamente tudo. Eu não tinha formas, rosto? Apalpei-me, em muito. Mas, o invisto. O ficto. O sem evidência física. Eu era — o transparente contemplador?... Tirei-me. Aturdi-me, a ponto de me deixar cair numa poltrona.
Com que, então, durante aqueles meses de repouso, a faculdade, antes buscada, por si em mim se exercitara! Para sempre? Voltei a querer encarar-me. Nada. E, o que tomadamente me estarreceu: eu não via os meus olhos. No brilhante e polido nada, não se me espelhavam nem eles!
Tanto dito que, partindo para uma figura gradualmente simplificada, despojara-me, ao termo, até à total desfigura. E a terrível conclusão: não haveria em mim uma existência central, pessoal, autônoma? Seria eu um... desalmado? Então, o que se me fingia de um suposto eu, não era mais que, sobre a persistência do animal, um pouco de herança, de soltos instintos, energia passional estranha, um entrecruzar-se de influências, e tudo o mais que na impermanência se indefine? Diziam-me isso os raios luminosos e a face vazia do espelho — com rigorosa infidelidade. E, seria assim, com todos? Seríamos não muito mais que as crianças — o espírito do viver não passando de ímpetos espasmódicos, relampejados entre miragens: a esperança e a memória.
Mas, o senhor estará achando que desvario e desoriento-me, confundindo o físico, o hiperfísico e o transfísico, fora do menor equilíbrio de raciocínio ou alinhamento lógico — na conta agora caio. Estará pensando que, do que eu disse, nada se acerta, nada prova nada. Mesmo que tudo fosse verdade, não seria mais que reles obsessão auto-sugestiva, e o despropósito de pretender que psiquismo ou alma se retratassem em espelho...
Dou-lhe razão. Há, porém, que sou um mau contador, precipitando-me às ilações antes dos fatos, e, pois: pondo os bois atrás do carro e os chifres depois dos bois. Releve-me. E deixe que o final de meu capítulo traga luzes ao até agora aventado, canhestra e antecipadamente.
São sucessos muito de ordem íntima, de caráter assaz esquisito. Narro-os, sob palavra, sob segredo. Pejo-me. Tenho de demais resumi-los.
Pois foi que, mais tarde, anos, ao fim de uma ocasião de sofrimentos grandes, de novo me defrontei — não rosto a rosto. O espelho mostrou-me. Ouça. Por um certo tempo, nada enxerguei. Só então, só depois: o tênue começo de um quanto como uma luz, que se nublava, aos poucos tentando-se em débil cintilação, radiância. Seu mínimo ondear comovia-me, ou já estaria contido em minha emoção? Que luzinha, aquela, que de mim se emitia, para deter-se acolá, refletida, surpresa? Se quiser, infira o senhor mesmo.
São coisas que se não devem entrever; pelo menos, além de um tanto. São outras coisas, conforme pude distinguir, muito mais tarde — por último — num espelho. Por aí, perdoe-me o detalhe, eu já amava — já aprendendo, isto seja, a conformidade e a alegria. E... Sim, vi, a mim mesmo, de novo, meu rosto, um rosto; não este, que o senhor razoavelmente me atribui. Mas o ainda-nem-rosto — quase delineado, apenas — mal emergindo, qual uma flor pelágica, de nascimento abissal... E era não mais que: rostinho de menino, de menos-que-menino, só. Só. Será que o senhor nunca compreenderá?
Devia ou não devia contar-lhe, por motivos de talvez. Do que digo, descubro, deduzo. Será, se? Apalpo o evidente? Tresbusco. Será este nosso desengonço e mundo o plano — intersecção de planos — onde se completam de fazer as almas?
Se sim, a “vida” consiste em experiência extrema e séria; sua técnica — ou pelo menos parte — exigindo o consciente alijamento, o despojamento, de tudo o que obstrui o crescer da alma, o que a atulha e soterra? Depois, o “salto mortale”... — digo-o, do jeito, não porque os acrobatas italianos o aviventaram, mas por precisarem de toque e timbre novos as comuns expressões, amortecidas... E o julgamento-problema, podendo sobrevir com a simples pergunta: — ”Você chegou a existir?”
Sim? Mas, então, está irremediavelmente destruída a concepção de vivermos em agradável acaso, sem razão nenhuma, num vale de bobagens? Disse. Se me permite, espero, agora, sua opinião, mesma, do senhor, sobre tanto assunto. Solicito os reparos que se digne dar-me, a mim, servo do senhor, recente amigo, mas companheiro no amor da ciência, de seus transviados acertos e de seus esbarros titubeados. Sim?
19/03/2009
Analfabeto secundário
Recebi a seguinte mensagem de um queridíssimo amigo meu, o Duza (Duardão):
Meus caros,
O verbete abaixo foi retirado da página 43 do livro “Dicionário Crítico de Política Cultural”, do professor Teixeira Coelho, da ECA/USP.
Qualquer identificação entre o analfabeto secundário tal como por ele descrito e boa parte das pessoas desse Brasil brasileiro é apenas imaginação de vocês. Esse analfabeto secundário deve ser coisa da Suécia, da Noruega (ou da Islândia, pensando bem...).
Beijos e abraços
Analfabeto secundário
“Indivíduo alfabetizado, com um grau de informação que pode variar do mais baixo ao mais especializado, capaz de decodificar informação visual e de servir-se de terminais eletrônicas, familiarizado, em suma, com as condições de existência num grande centro urbano contemporâneo, mas desprovido de uma visão cultural mais ampla de sua própria vida e do contexto social. É o produto de uma economia que não tem mais problemas de produção e sim de vendas, que não mais necessita de reservas de mão-de-obra pouco ou nada qualificadas e analfabetas, mas de consumidores qualificados a movimentar-se pela parafernália contemporânea. Caracteriza-se o analfabeto secundário por ter sua atenção desviada por trivialidades (os pseudo-eventos criados pela televisão, como as novelas, competições esportivas, etc.), orientar-se por uma sucessão de entretenimentos vazios e receber informações políticas sob a forma de comunicação espetacularizada. Próprio dos períodos em que o povo se transforma em público (o grifo é do autor), o analfabeto secundário é contemporâneo de uma época cuja cultura perdeu quase todo traço distintivo e deixou de ser prioridade pública. O analfabeto secundário não se encontra apenas nas camadas mais desfavorecidas da população: longe disso, integra, também, em proporção amplamente majoritária, os quadros da elite econômica e política. Sua mídia ideal é a televisão (esse grifo é do meu amigo)”.
Meus caros,
O verbete abaixo foi retirado da página 43 do livro “Dicionário Crítico de Política Cultural”, do professor Teixeira Coelho, da ECA/USP.
Qualquer identificação entre o analfabeto secundário tal como por ele descrito e boa parte das pessoas desse Brasil brasileiro é apenas imaginação de vocês. Esse analfabeto secundário deve ser coisa da Suécia, da Noruega (ou da Islândia, pensando bem...).
Beijos e abraços
Analfabeto secundário
“Indivíduo alfabetizado, com um grau de informação que pode variar do mais baixo ao mais especializado, capaz de decodificar informação visual e de servir-se de terminais eletrônicas, familiarizado, em suma, com as condições de existência num grande centro urbano contemporâneo, mas desprovido de uma visão cultural mais ampla de sua própria vida e do contexto social. É o produto de uma economia que não tem mais problemas de produção e sim de vendas, que não mais necessita de reservas de mão-de-obra pouco ou nada qualificadas e analfabetas, mas de consumidores qualificados a movimentar-se pela parafernália contemporânea. Caracteriza-se o analfabeto secundário por ter sua atenção desviada por trivialidades (os pseudo-eventos criados pela televisão, como as novelas, competições esportivas, etc.), orientar-se por uma sucessão de entretenimentos vazios e receber informações políticas sob a forma de comunicação espetacularizada. Próprio dos períodos em que o povo se transforma em público (o grifo é do autor), o analfabeto secundário é contemporâneo de uma época cuja cultura perdeu quase todo traço distintivo e deixou de ser prioridade pública. O analfabeto secundário não se encontra apenas nas camadas mais desfavorecidas da população: longe disso, integra, também, em proporção amplamente majoritária, os quadros da elite econômica e política. Sua mídia ideal é a televisão (esse grifo é do meu amigo)”.
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